‘A arma que ela gostava de usar era lápis, caderno, redação nota 10’, diz avô durante enterro de menina baleada no Alemão

Manifestantes clamam por Justiça após morte de Ágatha Foto: Bruno Kaiuca / Agência O Globo
Manifestantes clamam por Justiça após morte de Ágatha Foto: Bruno Kaiuca / Agência O Globo

Atos simbólicos emocionaram os presentes na manifestação pela morte da menina Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, que foram até o Cemitério de Inhaúma, Zona Norte do Rio. A criança foi enterrada por volta das 16h deste domingo, sob aplausos de parentes e amigos. A menina foi morta ao ser atingida nas costas por um disparo, na noite da última sexta-feira, no Complexo do Alemão.

Durante o sepultamento, Airton Félix, avô de Ágatha, manifestou mais uma vez sua revolta contra o estado por causa da morte da neta. O homem ressaltou que a menina era criança estudiosa com um futuro a frente.

— Sabe qual era a arma que tinha dentro da mochila da minha neta? Lápis, caderno, apontador, livro. Tinha um simulado que ela fez nessa semana e tirou 7! Essas eram as armas que a Ágatha gostava de usar. Ela tinha um futuro, ia crescer e entrar na faculdade. Mas o estado não quer isso. E se continuar dessa forma, o que vai acontecer? — desabafou o avô.

Antes do enterro, moradores do Complexo do Alemão fizeram uma manifestação pela morte da menina. O protesto começou por volta das 13h, em frente à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da região, na Estrada do Itararé. “Nós exigimos justiça” e “governador, pare de nos matar” eram os gritos mais frequentes no corte. Duas das principais reivindicações dos manifestantes era o fim da atual política de segurança pública e a saída do governador Wilson Witzel do cargo.

O grupo chegou à capela onde estava sendo velado o corpo da menina pouco antes das 15h. O pai e a mãe de Ágatha seguiram o carro da funerária em silêncio. A mãe Vanessa Sales Felix segurava uma boneca da Turma da Mônica, brinquedo favorito da criança. O tio Cristian Sales, por sua vez, disse que ela o estava ensinando inglês.

— Eu com 28 anos, e ela estava me ensinando inglês — disse Cristian. — Ágatha era filha única. Ela sonhava em ser bailarina, era estudiosa e não gostava de tirar notas baixas. O seu hobby principal era o balé. Nascida e criada no Alemão, assim como os pais. O pai tem loja de ração na Fazendinha. A mãe trabalha como secretária. Ela morava em cima da casa dos avós paternos e dos primos, sua rotina era com a família.

O corpo de Ágatha foi sepultado sob aplausos e gritos de Justiça. Mais de 200 pessoas acompanharam o cortejo. Ao longo do sepultamento, parentes e amigos esbravejavam “Witzel, assassino”e “Queremos paz”. O governador Wilson Witzel ainda não se manifestou sobre o caso.

— Até quando o governo vai acabar com as famílias? Até quando isso vai acontecer? — questionou o avô, diante do caixão.

— Nós queremos viver — bradou uma mulher.

Balões amarelos em homenagem à Ágatha

A chuva que caiu no início da tarde deste domingo não intimidou a manifestação dos moradores do Complexo do Alemão. A mobilização para o ato começou imediatamente após Ágatha ter sido atingida, através das redes sociais e grupos de mensagem. Uma faixa com os dizeres “parem de nos matar” foi estendida. e carregada pelos manifestantes até o cemitério de Inhaúma. Balões amarelos foram distribuídos, uma referência a uma foto da menina, em que ela aparece com bexigas da mesma cor numa festa.

Em determinado momento, o grupo fez uma roda e uma participante do protesto questionou por que a pequena não teve direito ao que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente. Logo depois, as pessoas deram as mãos e fizeram juntas uma oração.

O ator Fabio Assunção, que acompanhou a manifestação, cobrou inteligência por parte das polícias para que mortes de inocentes sejam evitadas.

— Estou prestando solidariedade, luto. Não tem como ser diferente. A sociedade tem que estar presente, eu vim fazer parte disso. Isso tem que mudar. Eu tenho uma filha de 8 anos. Diariamente estamos vivendo coisas que são impensáveis. Tem que ter inteligência na polícia para evitar morte de inocentes. Todos estão perdendo com isso.

Moradora do Complexo do Alemão, Tatiane Alvarenga Moreira questionou as ações da polícia no conjunto de favelas. Mãe de dois filhos com idades próximas, a professora em um projeto social na comunidade pediu um basta à violência na região.

— Eles entram nas casas dos moradores, revistam tudo, quebram tudo. E ainda dizem que se encontrarem drogas, a gente vai apanhar. Que educação é essa? Que estado é esse? A mãe da Agatha só levou a criança para brincar na praça, quando eu tava com os meus filhos lá. Quando eu fui ver, perguntei “por que tá vermelho aqui”? Aí eu já tive que me esconder. Isso está errado. Em plena sexta-feira, rua movimentada. Isso tem que acabar — protestou Tatiane.

‘Que não venha a ser só mais uma estatística’

O protesto também contou com a participação de mototaxistas do conjunto de favelas. Marcos Henrique Nascimento Lopes, de 39 anos, foi um dos que puxavam o grupo.

— Que não venha a ser só mais uma estatística. Tem que acabar com essas injustiças. As autoridades podem fazer mudar essa situação. Como eu não sei, mas podem. Reconhecer o erro nao é vergonha. Vergonha é persistir no erro — disse o mototaxista, que tem uma filha com a mesma idade de Agatha — A minha filha ouve o tiro e fica desesperada, se esconde em baixo da pia. Isso não é vida.

Representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, Rodrigo Mondego, disse que vai acompanhar o inquérito.

— Não aguentamos mais ver mãe, pai e avô chorando. A gente não aguenta mais ver família que perde ente querido sendo destratada pelo estado. Essa semana vamos ao local procurar testemunhas e apresentar os programas de testemunhas que existem para garantir que elas falem.

Moradora do Complexo do Alemão desde que nasceu, Marinete Martins Machado, de 63 anos, disse que não houve troca de tiros no momento em que Ágatha foi atingida. A PM alega que equipes da Unidade de Polícia Pacificadora havia sido atacada antes do disparo que acertou a menina.

— São tantas mortes e, se a gente não fizer manifestação, vão continuar matando, tirando a vida de criança inocente. Eles falaram que foi troca de tiro, mas não foi. Eles viram dois caras passando de moto e atiraram. A Ágatha estava com a mãe dela na Kombi, ela falou que sentiu algo queimar as costas dela — disse a moradora, que tem 26 netos e 19 bisnetos na comunidade.

A violência sofrida pela família de Ágatha é algo familiar para Marinete, que perdeu um neto em abril de 2017. A senhora conta que o neto Paulo Henrique, de 13 anos, havia ido comprar pão quando foi atingido por diversos disparos.

Equipes do 3º Batalhão da Polícia Militar acompanhou a chegada da manifestação ao velório de Ágatha. Os agentes, no entanto, não explicaram porque estavam ali.

Fonte: Extra

Outras Notícias