A mortes silenciosas em casa

Até o momento, não existe tratamento comprovadamente eficaz contra a doençaFoto: Ulises Ruiz | AFP
Até o momento, não existe tratamento comprovadamente eficaz contra a doençaFoto: Ulises Ruiz | AFP

No dia 14 de abril, a cidade de Nova York incluiu, entre as vítimas da Covid-19, 3.778 novos casos de mortos em casa ou asilos para idosos, que não haviam sido testados para o novo coronavírus. Num único dia, o total saltou mais de 50%, de 6.589 para 10.367. No final da semana passada, as mortes domésticas em Nova York representavam 25% de um total superior a 20 mil.

No Reino Unido, uma análise do jornal Financial Times (FT) estimou que, basicamente em virtude da exclusão das mortes domésticas, o total real de vítimas do vírus está perto do dobro do número oficial. Só na Inglaterra, um levantamento recente estimou os mortos nas casas de repouso em pouco mais de um quarto de quase 25 mil.

Ao incluir nesse total as mortes suspeitas que ocorrem em casa ou nos asilos, sem a necessidade de confirmação oficial, outros países europeus, como Alemanha, Bélgica, Suécia ou França, têm conseguido apresentar uma contabilidade mais próxima do impacto real da Covid-19, revela outra análise, da revista The Economist.

Tanto FT quanto Economist usam, para contar as vítimas da pandemia, não os boletins oficiais divulgados diariamente pelas autoridades, mas o conceito epidemiológico de “excesso de mortalidade por todas as causas”, também empregado nos levantamentos que publiquei para São Paulo e para as cinco cidades mais atingidas no Brasil nas últimas semanas. Trata-se, grosso modo, da diferença entre a mortalidade registrada neste ano e a média histórica.

Tal diferença leva em conta não apenas a subnotificação nos números da Covid-19, mas também as mortes pelo vírus que não foram objeto de testes, como as domésticas, ou as que não ocorreriam não fosse a pandemia e o estresse decorrente no sistema de saúde.

Um exemplo dessas últimas: na região italiana da Lombardia, as mortes por ataque cardíaco ocorridas fora do hospital cresceram 58% nas semanas críticas de fevereiro e março, revela um estudo publicado no New England Journal of Medicine. É até possível que não tenham sido resultado direto da ação do vírus – embora ele também ataque o coração –, mas certamente foram consequência da pandemia.

Na Alemanha, diz a Economist, o número oficial de mortos pela Covid-19 correspondeu, entre meados de março e o início de abril, a 97% do excesso de mortalidade. Na França, a 93% (num período mais extenso). Na Suécia, a 91%. Na Bélgica, a 87%. No Reino Unido e na Holanda, onde mortes domésticas sob suspeita não entram na conta, a, respectivamente, apenas 54% e 51%.

O principal núcleo de mortalidade nos países ricos têm sido as casas de repouso e tratamento para idosos. Pelos números oficiais, nelas ocorreram 36% das mortes alemãs, 37% das francesas, 39% das suecas e 53% das belgas. No Reino Unido, só 16% das mortes oficiais foram domésticas. Pelas contas do FT, porém, elas estão em torno de 50% e respondem pelo grosso da subnotificação.

No Brasil, um levantamento feito com base no total de atestados de óbito divulgados no Portal da Transparência do Registro Civil para as cinco cidades mais atingidas pela pandemia – São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus, Recife e Fortaleza – demonstrou que os números oficiais correspondem a apenas 37% do excesso de mortalidade.

Os dados do Portal da Transparência revelam que, aqui, boa parte das mortes não computadas nas estatísticas também são domésticas. O quadro abaixo compara os totais nas cinco cidades entre 16 de março, dia da primeira morte brasileira, e 1º de maio. Ressalva importante: como por lei há até 14 dias de prazo entre a morte e o registro na base de dados dos cartórios – sem contar atrasos contumazes –, os números estão certamente defasados em relação aos verdadeiros.

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