A peleja entre o Cavaleiro Testado-e-Reprovado e o Príncipe do Tanto-Faz

foto texeira nova

José Carlos Teixeira*

“Aqui, ninguém entra mais!

Vamos, os dois, lutar sós!

Vamos ver quem é que cai:

Quem ganha a luta feroz!”

(Ariano Suassuna, no

Romance d’A Pedra do Reino)

 

Há muito tempo, numa galáxia muito, muito distante, chegava ao fim mais um período de reinado no Planeta Boa Terra. Como fizera seu antecessor, o rei Gegê já havia comprado um belo palácio de arquitetura moderna com influência mourisca, tamanho G, para onde se mudaria depois de passar a coroa ao sucessor que ele mesmo indicaria e que, tinha certeza, o povo iria apoiar.

(Abro parênteses para uma fofoca, dessas que os influenciadores digitais adoram espalhar pelo Instagram ou pelo TikTok: o palácio era para ser no Corredor Vitorioso, onde moram os mais ricos potentados do reino, mas o rei acabou optando pela avenida Graciosa, por sugestão da turma do pega-na-chaleira: “Graciosa começa com G, meu rei! Tudo a ver com a magnificência do vosso reinado e com as tantas obras de tamanho G que vossa majestade realizou!”, argumentaram.)

Palácio comprado, reinado chegando ao fim – em Boa Terra, o rei só pode ficar no trono por, no máximo, oito anos em cada período, o qual pode ser renovado, mas não de modo subsequente – era chegada a hora de escolher o sucessor. Em tese, o escolhido poderia ser de qualquer uma das três famílias que mandavam no reino, mas a família do rei Gegê não admitia outro que não um nome da turma deles.

Para evitar cismas, o rei anterior anunciou que topava deixar o conforto de sua morada no Corredor Vitorioso para uma nova temporada no Palácio Real da Ondinha. Mais tarde, porém, voltou atrás. Desistiu, alegando que já havia sido rei e também andava sem apetite para um novo reinado.

Abriu-se então a temporada de busca de um nome do agrado de todos, o que é muito difícil – como bem sabe o ilustre leitor, as relações entre os nobres nem sempre são cordatas e leais como deveriam ser ou como nos querem fazer crer que são.

Para surpresa geral, o segundo indicado também recusou, pois não contava com o apoio da maioria dos familiares do rei e além do mais seu desejo era continuar na capital do império, longe dos problemas do reino que não  eram poucos, nem pequenos, como todos sabiam – menos o rei, pois ninguém ousava lhe apontar a nudez.

Acabou sobrando para um dos conselheiros do rei, neófito nas tramas palacianas, mas com alguma experiência em gestão: cuidara anteriormente da assistência aos agricultores do reino e dos assuntos de educação. Os inimigos do rei logo o batizaram de Cavaleiro Testado-e-Reprovado, uma referência à qualidade do ensino nas escolas reais, das piores da galáxia.

A mera indicação, porém, não garantia a escolha do Cavaleiro como novo rei, pois havia um desafiante: um príncipe, neto de um antigo e poderoso soberano que entrara na história por alternar momentos de malvadeza e de ternura durante seu longo reinado (o avô, não o neto).

O Cavaleiro Testado-e-Reprovado, porém, tinha um trunfo poderoso. É que ao mesmo tempo ocorria a disputa para saber quem seria o grande imperador da Galáxia, aquele a quem todos os reis rendiam vassalagem. E entre os dois que disputavam o comando do império, o preferido dos habitantes do reino da Boa Terra era um antigo imperador, da mesma família do rei Gegê e de seu cavaleiro.

Os conselheiros do rei se reuniram e decidiram que a tática para superar o oponente, portanto, seria bem simples: colar o nome de um ao do outro, propagandear que ambos jogavam no mesmo time e apostar em um processo de vitória por osmose. “Vamos aproveitar para passar a boiada, pois o povo só tem olhos para o grande líder”, explicaram.

O príncipe, que não era bobo, evitou colar seu nome ao nome do outro postulante ao título de imperador, que gozava de enorme rejeição entre os moradores de Boa Terra. Tratou logo de dizer que estabeleceria boas relações com qualquer um que fosse escolhido imperador – foi o suficiente para ser batizado pelos adversários de Príncipe do Tanto-Faz.

A escolha do novo rei de Boa Terra é definida em um grande torneio. Ao longo de quatro meses, cabe a cada candidato anunciar o que pretende realizar em benefício do povo caso seja o escolhido e demonstrar porque ele e não o oponente é o mais qualificado para reinar.

O torneio compreende diversas provas, com lances de ataques e de defesas, artimanhas diversas, ardis variados, mentiras no varejo e no atacado, agressões verbais, ofensas, ameaças, traições, alguns golpes abaixo da cintura e, de cambulhada, toneladas de promessas.

Nesses quatro meses, as entranhas do reino foram reviradas e expostas a fragilidade de seus serviços de saúde, segurança, educação e assistência aos mais pobres, bem como a carência de políticas para geração de empregos, entre outros. Mais parecia o juízo final: a verdade contra a mentira, o bem contra o mal, realidade e fantasia.

A última etapa do torneio será neste domingo. Os moradores da Boa Terra serão chamados a dizer se estão satisfeitos com a gestão do rei Gegê e se aprovam a escolha do Cavaleiro Testado-e-Reprovado para dar continuidade ao seu reinado. Ou se, pelo contrário, desaprovam a ambos e querem mudança, na esperança de alguma melhora.

Tudo em clima de festa, como é tradicional na Boa Terra – isso se a bandidagem, que na capita do reino alcançou dimensões inimagináveis nos últimos dias, nos deixar ir às urnas em paz, é claro.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

 

 

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