Ao receberem o diagnóstico dos filhos, pais descobrem que também são autistas

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Quando entrou no consultório, em fevereiro de 2021, o produtor cultural Luciano D’Miguel não imaginava que o diagnóstico de seu filho João, de 4 anos, poderia explicar um pouco sobre ele também. “A médica começou a nos perguntar sobre a relação familiar, entre o casal, com o João. Como era cada um. Como eram minhas brincadeiras quando criança… Foi então que comecei a perceber que era muito parecido com a forma como meu filho brincava. A similaridade, a organização e o perfilamento dos brinquedos, colocando os bonecos um do lado do outro, por cores, tira e refaz tudo de novo”, conta.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi logo confirmado pela psiquiatra. Confirmado no filho e no pai. “O diagnóstico do meu filho pesou, mas o meu pesou mais. Você saber desde criança que é autista te traz mais conhecimento e possibilidades de trabalhar com isso. Descobrir na fase adulta é outra história”, diz.

O psiquiatra Gustavo Dória, professor do Departamento de Psiquiatria e do Programa de Pós-graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que, hoje, a maior parte dos diagnósticos de autismo é feita durante a infância, em especial nos casos moderados e graves, que costumam trazer atrasos cognitivos. Porém, a descoberta tardia vem se tornando frequente.

De acordo com Dória, que é médico do Complexo Hospital de Clínicas (HC) de Curitiba, uma a cada 100 pessoas são autistas, em algum grau. Mesmo que sutis, as características acompanham estes adultos desde criança. “Eles apresentam certo isolamento social, são retraídos e têm dificuldade em relacionar-se e de estar com outras pessoas.Têm poucos amigos e amizades pouco duradouras, ficavam isolados na escola, lendo, colecionando coisas e se interessando por assuntos específicos. Quando havia uma exigência maior, ficavam enraivecidos. Também apresentam baixa empatia, são mais centrados nas coisas deles. Têm dificuldade de fazer a leitura do outro, da intenção do outro”, avalia.

É como se sentiu D’Miguel, por muitas vezes. “Meu processo de aprendizagem foi diferente. Eles estranhavam meu comportamento pois não conseguia me adaptar aos trabalhos em grupo e nem ao futebol. Mas chamava a atenção por alguns cálculos próprios, diferentes dos que professora ensinava. Só que, naquela época, você era recriminado por isso e até apanhava em casa. Achavam que eu era um gênio, superdotado, mas isso não ajudou muito.”

Enquanto criança e adolescente, nunca teve diagnóstico de TEA, mas sentia que tinha algo diferente. “Tenho aversão a dirigir, nunca tive CNH. Era tímido, mas gostava de teatro, tinha banda, cantava. Fui ter namorada no segundo ano da faculdade. Tinha muito medo do outro, do toque, tudo demorou muito para mim.”

O pai lembra que, assim como o filho, também tinha dificuldade de brincar com outras crianças, interagir. “Embora eu tentasse entrar na sintonia, acabei fazendo alguns colegas pelas coleções que eles tinham. Só que, na hora de brincar, eu queria colocar tudo em fila, em ordem e não conseguíamos brincar juntos; eles simulavam situações reais, as minhas eram muito fora da realidade”.

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