Arrematante da sede do Arquivo Público da Bahia em leilão judicial desiste do negócio

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José Carlos Teixeira*

“Eu vou pro mato

Oi, pro mato eu vou

Vou buscar um vagalume

Pra dar luz ao meu chatô”

(Vagalume, marchinha carnavalesca

de Vitor Simon e Fernando Martins)

 

Eis que nos chega uma boa notícia: o autor do lance único, no valor de R$ 13,8 milhões, no leilão da Quinta dos Lázaros determinado pela Justiça, desistiu do negócio. Alvíssaras! Finalmente uma boa nova no domínio da cultura, área pouco benquista pelos últimos governos estaduais.

É mais um capítulo na história recente da atual sede do Arquivo Público do Estado da Bahia, cheia de lances bizarros registrados nas duas últimas administrações estaduais.

Imagine só essa treta: vindos de diversas partes do mundo, historiadores chegam a Salvador no verão de 2011 para pesquisar sobre o período colonial do Brasil e descobrem, estupefatos, que a tarefa não seria fácil como supunham.

Eles certamente não encontrariam dificuldade alguma para dar andamento a suas pesquisas na Torre do Tombo ou na Biblioteca de Belém, em Lisboa, que também guardam documentos desse período. Mas nunca passaria por suas cabeças que na Bahia, quase 150 anos depois de Thomas Edson ter inventado a lâmpada elétrica, eles teriam que pesquisar à luz de velas.

Não é verdade, caro leitor. Eu estou exagerando. Não foi preciso acender velas. Mas a Quinta dos Lázaros, para onde em 1980 foi transferido o acervo do Arquivo Público, ficou quase três anos sem iluminação em boa parte do prédio. Nesse período, consultas aos preciosos documentos só puderam ser realizadas em algumas salas favorecidas pela claridade do dia. E governo nem tchum!

A vergonhosa situação foi superada, mas eis que um novo fantasma tem ameaçado o precioso acervo. Agora é o leilão do imóvel, que foi penhorado para pagamento de uma antiga dívida da Bahiatursa, empresa estatal extinta em 2016 e substituída pela Superintendência de Fomento ao Turismo (que também adotou o Bahiatursa como nome fantasia).

Construída no século XVI, como casa de repouso e férias dos jesuítas, a Quinta dos Padres ou Quinta do Tanque, como o imóvel também é chamado, é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) desde 1949 e tem inegável valor arquitetônico.

A iminência do leilão provocou protestos de inúmeras entidades da área cultural, que passaram a cobrar providências do Governo do Estado, inclusive levando em conta também a eventual transferência do acervo para outro local, uma operação delicada e complexa, que não pode ser feita de modo apressado ou improvisado.

Não é para menos. Trata-se da segunda mais importante instituição arquivística do país, atrás apenas do Arquivo Nacional. São mais de 400 mil documentos do período colonial, desde 1549, quando Salvador foi fundada, até 1763, quando deixou de ser a capital político-administrativa do país e a mais importante cidade do Atlântico Sul.

Quatro de suas coleções de documentos são reconhecidas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como memórias do mundo – ou seja, um patrimônio documental mundial que pertence a todos e deve ser completamente preservado e protegido por todos.

Até agora, portanto, o imóvel integra o patrimônio público baiano. E o Arquivo Público, agora com luz elétrica, pode receber pesquisadores sem que eles tenham que ir à caça de vagalumes. Até quando, não se sabe.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

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