Ataque a estátua de Mãe Stella é mais um ato de intolerância contra o povo de santo

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José Carlos Teixeira*

“Se uma porta se fecha aqui
Outras portas se abrem ali
Eu preciso aprender mais de Deus”

(Deus Cuida de Mim, de Kleber Lucas)

Eles chegaram de madrugada, em horas mortas. Silentes, escondendo-se nas brumas da noite, como criminosos que são, botaram fogo na estátua de Mãe Stella de Oxóssi, parte de um monumento erguido no início da avenida que leva o nome da yalorixá e que liga Itapuã a Stella Maris, em Salvador. O monumento conta ainda com uma estátua de Oxóssi, que não foi atingida pelo fogo.

O ataque é emblemático. Mãe Stella, morta em 2018, aos 93 anos de idade, foi uma das mais famosas e respeitadas mães de santo do candomblé da Bahia. Durante quase meio século, comandou com firmeza e devoção o Ilê Axé Opô Afonjá, um dos mais antigos terreiros do Brasil.

Ela foi signatária e articuladora de um documento, assinado por outras quatro importantes mães de santo – Menininha do Gantois, Olga de Alaketu, Teté de Iansã e Nicinha do Bogum – que declarava ser o candomblé uma religião independente do catolicismo. Divulgado em 1983, ao final da 2ª Conferência Mundial da Tradição dos Orixás e da Cultura, realizada em Salvador, o texto rompia com o conceito de sincretismo, que durante séculos permitiu a identificação dos orixás com os santos católicos.

“Religião não se impõe. Depende da consciência de cada um”, ensinava. “Mas queremos respeito para o candomblé”, defendia. Sua vigorosa defesa da religião do povo de santo nunca a impediu, no entanto, de defender com a mesma energia a tolerância religiosa: “O ser humano é livre para abraçar qualquer crença”, dizia.

Por essas coincidências da vida – ou não –, o ataque, claramente fruto da intolerância religiosa, ocorreu no mesmo dia em que o hino evangélico Deus Cuida de Mim, gravado por Caetano Veloso e Kleber Lucas, foi lançado e colocado em disponibilidade em todas as plataformas de áudio do país.

Cantor e compositor de música gospel (já gravou 14 álbuns e ganhou um Grammy Latino), Kleber Lucas é pastor. Já Caetano, embora criado em família católica, sempre manteve distanciamento da Igreja. Os dois uniram-se agora na gravação de uma canção de louvor a Deus.

– Por quê? – quis saber o repórter Chico Regueira, do Fantástico.

– Acho que foi Deus – respondeu Caetano.

Ao contrário dos intolerantes que botaram fogo na estátua de Mãe Stella, os dois artistas, ao se juntarem na gravação de um louvor, mostraram que é possível a convivência pacífica, mesmo acreditando em algumas coisas de formas diferentes.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

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