Primeiro, deixemos claro que o jornalista que assina este texto é de uma geração em que ainda se separava “brinquedo de menino” de “brinquedo de menina”. Por isso, ele brincava de futebol, Falcon e Comandos em Ação. Portanto, perdoe qualquer deslize que revele falta de intimidade com o universo da boneca mais popular da história.
Agora, vamos à boa notícia: mesmo não sendo íntimo da Barbie, ele se divertiu bastante com o filme que leva o nome da boneca e estreia nesta quinta-feira nos cinemas, com Margot Robbie (a Arlequina de Esquadrão Suicida) no papel principal e Ryan Gosling (La La Land) como Ken. A produção dirigida por Greta Gerwig (Ladybird) é uma comédia que flerta com o gênero musical e tem o mérito de não se limitar a ser uma propaganda do brinquedo que inspira a trama.
Ao contrário, o filme não esconde as críticas à Mattel, fabricante da boneca e coprodutora do longa junto com a Warner. Pode-se até dizer que se trata de um mea culpa da empresa, que por muitos anos – e ainda hoje – foi atacada por vender um ideal de beleza: loira, magra, seios salientes e olhos claros. A primeira unidade negra só saiu da fábrica em 1980, 31 anos após a criação da boneca.
A Mattel entra tanto na brincadeira que, em determinado momento do filme, numa reunião de executivos da empresa, que tomam decisões cruciais, estão ali, pelo menos uns dez homens e nem uma mulher. A elas, resta o papel de secretária. Ou seja: são os homens que criam as Barbies. Tem também críticas a versões meio bizarras da boneca ou a acessórios que foram lançados.
Tudo, sempre, em tom cômico e leve, em um roteiro muito bem sacado, de Greta em parceria com o marido, Noah Baumbach, diretor e roteirista de História de Um Casamento, produção da Netflix que concorreu a seis Oscars em 2020.
Barbielândia
Na história, a boneca vive na Barbielândia, onde as mulheres têm papel de destaque e os homens são coadjuvantes. Todas ali se chamam Barbie e estão nas mais diversas profissões. Não há assédio e os homens respeitam as mulheres.
E a Barbielândia representa o mundo ideal, onde a boneca acorda sorridente e disposta, não tem aquele mau hálito matinal e onde “hoje é o melhor dia de todos e ontem também e amanhã também vai ser e todos os dias de hoje até a eternidade”, como diz a protagonista a determinada altura.
Ou seja, o mundo ali é, literalmente, cor-de-rosa, como tem marcado a campanha de divulgação, que tem viralizado como poucas até hoje. Os problemas de Barbie no filme começam quando um dia ela acorda como um ser humano “normal” que enfrenta os transtornos do dia a dia: preguiça, mau hálito e o pão queimado na torradeira. E pior: seus calcanhares tocam o chão, o que seria uma “anormalidade” no mundo Barbie, afinal os pés da boneca são super inclinados, lembra?
É aí que, para buscar sua “cura”, ela resolve ir para o mundo humano, onde se depara com a realidade, completamente inversa àquela que conhece. Na vida real, ela vai ser assediada na rua, vão ridicularizá-la por causa de suas roupas e ainda vai descobrir que os homens estão sempre tentando ditar as regras.
Nas redes sociais, a expectativa é altíssima. Mas, vamos avisando que não é para tanto: por mais que se tente atribuir ao filme a função de ser um manifesto feminista, não dá pra ser levado muito a sério. Tudo é muito direto, superficial e às vezes parece ser um manual básico feminista. Nada que não se veja já há muito tempo nas redes sociais.
Mas são duas horas bem divertidas. E depois que vemos o resultado, não dá pra imaginar outra atriz que não fosse Margot Robbie como Barbie. Que outra atriz conseguiria emitir um sorriso como o dela, que consiga traduzir tão fielmente o espírito da personagem? E Ryan Gosling também dá conta do recado com sobra, interpretando um bobalhão que chega ao mundo humano completamente desorientado.