Com tanta fila, a Bahia vai acabar se tornando uma democracia

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José Carlos Teixeira*

“O primeiro chegou cedo
porque tinha medo
de perder a frente;
o segundo resmunga furibundo
por encontrar alguém
mais eficiente”.

(A Fila, poema de Flora Figueiredo).

 

Dizem alguns estudiosos do comportamento humano que a fila é a mais corriqueira e representativa imagem da tão falada e desejada igualdade democrática. Isso porque, na fila, em princípio, todos são iguais e regidos por uma única lei não escrita: quem chega entra no fim e espera sua vez.

Bom, nem sempre ocorre assim. De vez em quando aparecem aqueles que se acham mais iguais que os outros e querem passar à frente dos demais. São os que cultivam a famosa Lei de Gérson, aquela sobre levar vantagem em tudo. Mas são descaminhos, deixemo-los para lá.

Volto ao ponto: se a fila é a mais banal expressão da democracia, a Bahia aparentemente caminha a passos largos para tornar-se o mais democrático estado brasileiro.

De fato, nunca antes na história dessa terra (para usar uma expressão que já esteve na moda e que, segundo indicam as recentes pesquisas eleitorais, tem tudo para voltar) se viu tantas filas – e tanta gente nelas – como agora. Nem mesmo nos tempos do Plano Sarney, quando as pessoas passavam horas em filas para conseguir comprar coisas simples como uma dúzia de ovos ou uma lata de leite, às vezes pagando ágio sobre o preço.

A gentil leitora e o desatento leitor não perceberam essa fartura de filas? Experimentem assistir aos telejornais das emissoras locais. Só dá fila. E a abordagem é praticamente a mesma. A câmera mostra a fila enorme, o repórter comenta como ela está grande e pergunta a alguém na fila: “Há quanto tempo o senhor está na fila?”. Anda dois passos e pergunta a outra pessoa: “Que horas a senhora chegou à fila?”. É quase um ritual que se repete em todos os telejornais e emissoras da capital e do interior.

Ontem, em Salvador, eles capricharam. Começaram mostrando as longas filas nos terminais dos ônibus urbanos devido a uma paralisação parcial dos rodoviários. Depois, deram um espaço enorme às filas nos lotados gripários da capital. Na sequência, mostraram as grandes filas nas UPAs, onde centenas de pessoas buscavam atendimento médico. Visitaram ainda as filas nos pontos de vacinação contra a covid-19. Foram aos postos de vacinação contra a gripe H3N2. E apontaram uma novidade: as filas que estão se formando em farmácias e laboratórios para a realização de testes rápidos de covid-19.

Haja fila! Mas o cardápio é farto. Há filas para todos os gostos. Há filas nos bancos, nos hospitais, nas lotéricas, nos supermercados, nos caixas eletrônicos. Há a fila da padaria, do açougue, da farmácia. Para embarque no aeroporto, na rodoviária e no metrô. No posto da Coelba, no atendimento da Embasa, na sede da prefeitura-bairro, no Detran. Para comprar acarajé, para abastecer o carro. Há a gigantesca fila do INSS e a grande novidade da temporada nas grandes cidades: o drive-thru – a delícia de entrar na fila com o próprio carro e todo o conforto que ele possa lhe oferecer.

E acredite, há gente que gosta tanto de ver o povo nas filas que ajuda a criá-las. Quer um exemplo: quando a fila cresce, a Internacional Travessias, concessionária do sistema ferryboat, determina que cada pessoa só pode comprar uma passagem por vez. Quer dizer, o cidadão que precisa fazer a travessia com a mulher e dois filhos, tem que entrar quatro vezes na fila e fazer quatro operações de compra. Houvesse vida inteligente, em uma única operação ele compraria as quatro passagens e a fila seria menor. Simples, assim.

Tendo a concordar com a premissa de que as filas são uma expressão da democracia. Mas quando elas são tantas e tão longas, desorganizadas e lentas, o diagnóstico é claro: são evidências de despreparo, de incompetência e, sobretudo, de nossa grande desigualdade social.

P.S. Não entre na fila. Se estiver sem tempo, marque para ler mais tarde.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

 

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