Como na canção de Sidney Magal: se te agarro com outro te mato

foto texeira nova

José Carlos Teixeira*

“Dizem que sou muito antigo
Mas tudo que eu quero é ficar contigo

Se te agarro com outro te mato
Te mando algumas flores e depois escapo”

(Se te agarro com outro te mato, de

Cacho Castaña, adaptação de Jean Pierre)

 

Era a última faixa do lado B. Estamos falando dos velhos discos de vinil. Analógicos, neles as músicas eram gravadas nos dois lados. A canção tida com maior potencial para tornar-se um sucesso e puxar as vendas do disco era sempre a primeira faixa do lado A. Por óbvio, aquela que não se botava muita fé era a última faixa do lado B.

Lançado no final de 1976, o disco de estreia de Sidney Magal – um primo de Vinicius de Moraes que queria cantar bossa nova e foi aconselhado pelo poeta a enveredar por trilhas mais populares, o que ele fez, com êxito – trazia na última faixa do lado B uma adaptação de Jean Pierre para  a canção Si te agarro con otro, te mato, do argentino Cacho Castaña, que vinha fazendo bastante sucesso junto aos hermanos.

Enganaram-se aqueles que desacreditaram do potencial da música de Castaña. Se te agarro com outro te mato estourou no norte, para usar uma gíria da época. Dividiu as paradas com Meu sangue ferve por você e Amante Latino e se tornou um clássico do repertório brega nacional – nada comparável, no entanto, ao megassucesso Sandra Rosa Madalena, esse, sim, ainda hoje a cara de Sidney Magal.

Já faz alguns anos que a politicamente incorreta Se te agarro com outro te mato sumiu do repertório de shows do cantor. Foi abatida pelo crescente movimento de enfrentamento à violência contra a mulher. Mas ainda aparece alguém pedindo que Magal a cante, insensível à gravidade do problema e sua dimensão alarmante no Brasil, onde a cada 7 horas uma mulher é vítima de feminicídio.

Um relatório divulgado no início desta semana pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que, no primeiro semestre deste ano, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil – uma média de 4 mulheres por dia.

Na Bahia, no mesmo período, foram registrados 47 casos – um a cada quatro dias.

Com base nos boletins de ocorrências classificadas como feminicídio pela polícia civil dos estados e do Distrito Federal, o estudo revela um crescimento contínuo das mortes de mulheres em razão do gênero desde 2019 – mesmo com o avanço das políticas públicas e o crescimento do ativismo pelo fim da violência contra a mulher.

A Bahia ocupa o quinto lugar nesse ranking – depois de Minas Gerais (82 mortes), São Paulo (75), Rio Grande do Sul (57) e Rio de Janeiro (55). O Estado não acompanhou, no entanto, o crescimento do número de casos anotado no país, registrando até mesmo uma pequena queda no primeiro semestre deste ano (-2,1%), na comparação com igual período de 2019.

A análise dos dados revelou também que os casos mais comuns de feminicídio são os praticados por namorados, maridos ou companheiros que não aceitam a separação, tal como na canção de Sidney Magal: 81,7% das vítimas foram mortas pelo parceiro ou ex-parceiro íntimo.

Os números mostram ainda a urgência de se colocar o tema na agenda pública, de modo que possa ser tratado como prioridade, no rol das políticas públicas de garantia de direitos humanos, pelos novos governantes que tomarão posse no próximo dia primeiro de janeiro.

Afinal, embora muita gente ainda veja o feminicídio como sendo um homicídio de mulheres, na verdade trata-se de um assassinato cometido em função da condição de mulher da vítima.  Daí a importância de seu combate envolver também a extinção da cultura machista que predomina na sociedade, para evitar que aconteçam mais casos como a ameaça contida na letra da canção de Sidney Magal.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

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