Decisão da Justiça Federal afeta rendoso negócio entre a Bahia e a China

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José Carlos Teixeira*

“É verdade, meu senhor
Essa história do sertão
Padre Vieira falou
Que o jumento é nosso irmão”

(“Apologia ao Jumento”, de

Luiz Gonzaga e José Clementino)

 

 

A Justiça Federal tomou uma decisão na semana passada que vai afetar um dos mais rendosos negócios entre a Bahia e a China, defendido com unhas e dentes pelas três instâncias de governo envolvidas na parada, de caráter extremamente predatório.

Não, minha senhora, não estou falando daquele xing ling mais famoso, a ponte que, conforme se anuncia desde o primeiro mandato de Jaques Wagner, algum dia deverá ligar Salvador à Ilha de Itaparica – uma espécie de ferryboat de concreto, como o denomina o arquiteto e professor Paulo Ormindo de Azevedo.

Também não é aquele outro, meu caro leitor, o pouco conhecido VLT do Subúrbio, um moderno monotrilho que vai ligar o bairro do Comércio ao Subúrbio Ferroviário, na capital do Estado.

É bem verdade que a ponte e o monotrilho são dois negócios da China. Vejam bem: quando o contrato da ponte foi assinado, em novembro de 2020, o investimento seria de R$ 5,4 bilhões – mas agora, por conta da alta de preços dos materiais de construção, já passa de R$ 9 bilhões. E o tal do VLT, a mesma coisa: foi orçado inicialmente em R$ 1,5 bilhão, quando da assinatura do contrato, em fevereiro de 2019, mas os chinas já pediram para dobrar esse valor.

Mas a treta é outra. É que na quinta-feira passada, 10 dos 13 desembargadores da Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, decidiram suspender o abate de jumentos no Brasil para exportação à China.

A decisão atinge principalmente a Bahia, onde funcionam três frigoríficos dedicados ao abate de jegues, localizados em Amargosa, Simões Filho e Itapetinga.

Só em Amargosa, são abatidos regularmente 4.800 animais por mês. Alguns adquiridos a preços aviltantes. Outros recolhidos no interior do Nordeste, onde muitos animais foram abandonados pelos antigos donos que os trocaram por motocicletas no trabalho do campo.

O grave disso tudo é que apesar do elevado volume de abate dos jumentos, não existe uma cadeia de produção para renovar o rebanho, como ocorre, por exemplo, com os bovinos – o que coloca a espécie em risco de extinção no Brasil. Segundo o IBGE, em 2013, havia 900 mil jumentos no país. Atualmente, de acordo com o Ministério da Agricultura, eles não passam de 400 mil.

O aumento crescente no abate dos jumentos nordestinos começou em 2016, quando o Brasil passou a exportar o couro do animal para a China, onde é transformado em uma geleia usada na produção de ejiao, um medicamento da medicina chinesa tradicional – a carne dos animais abatidos não vai para a China, mas para o Vietnã, onde é bastante apreciada.

O mercado do ejiao movimenta bilhões de dólares na China com a promessa de curar uma ampla gama de problemas de saúde, que inclui anemia, insônia, tosse seca, menstruação irregular e até mesmo impotência sexual.

Mas não há comprovação científica de que o ejiao funciona – assim como acontece com a famosa cloroquina no tratamento da covid-19. De todo modo, o preço do produto no mercado varejista chinês vem aumentando substancialmente, em decorrência, sobretudo, da dificuldade para se obter o couro de jegue em países tradicionalmente produtores. Ontem, no AliExpress, conhecido site chinês de vendas pela internet, o preço de uma barra de 500 gramas de bolo com ejiao variava de R$ 301,80 a R$ 623,83.

A decisão tomada na quinta-feira pelo TRF-1 ocorreu no âmbito de uma ação que tramita desde 2018, quando algumas entidades de defesa dos direitos dos animais entraram com um processo solicitando a proibição do abate de jumentos.

No primeiro momento, a Justiça da Bahia concedeu uma liminar proibindo os abates no Estado, mas a medida foi suspensa em 2019 por Kassio Nunes Marques, então desembargador do TRF-1 e hoje ministro do STF, indicado por Bolsonaro. Ele liberou os abates atendendo a recurso do governo da Bahia, governo federal e prefeitura de Amargosa, sob o argumento de que a proibição prejudicava a economia do município e do Estado.

Agora, uma expressiva maioria dos desembargadores do TRF-1 refutou tal argumento, alegando que a Prefeitura de Amargosa não conseguiu provar os supostos prejuízos à economia pública. Além disso, segundo o desembargador Carlos Eduardo Moreira Alves, também não ficou comprovada a existência de uma cadeia produtiva para abate no Brasil, o que coloca a espécie em risco.

A decisão do TRF-1 foi comemorada pelos ativistas que lutam pelo fim do abate de jumentos no país.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

 

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