Deputado chora ao ver Chico Pinto nos ombros do povo

unnamed-pgyrzaz61vhf1l4bhzcpspi4t8jw69kro0hno2dw9s

José Carlos Teixeira*

 

Formado por deputados federais de 17 estados e diferentes tendências, quase todos de primeiro mandato, eleitos em 1970, o chamado Grupo Autêntico do MDB teve um papel importante na resistência parlamentar à ditadura nos anos 1970.

Dentre eles, o mineiro Lysâneas Maciel, eleito pelo extinto Estado da Guanabara, era um dos mais desassombrados. Sua bravura não se limitava aos candentes discursos que proferia da tribuna da Câmara atacando o regime militar. Certa feita, por exemplo, ao lado do colega baiano Chico Pinto, enfrentou bravamente, aos gritos, um grupo de militares que queria impedir a impressão e circulação do jornal Opinião, sem se importar com as metralhadoras ameaçadoras nas mãos dos soldados.

Lysâneas era um bravo, mas também um sonhador, um incansável lutador pela liberdade. Cristão, era uma pessoa extremamente sensível, capaz de emocionar-se e chorar, como ocorreu em uma madrugada, em Feira de Santana, ao final de um comício.

Lysâneas veio a Feira a convite de Chico Pinto, de quem se tornara amigo próximo. Era 1972, ano de eleições municipais. O candidato a prefeito do MDB era o advogado José Falcão da Silva. O comício foi na Praça Dona Pomba, no bairro Rua Nova, sólido reduto emedebista. Ali, Chico Pinto era praticamente uma unanimidade, verdadeiro ídolo.

O deputado carioca foi o antepenúltimo orador da noite. Fez um violento discurso de ataque à ditadura e defesa da democracia e dos direitos humanos. Logo depois, veio a fala moderada de Zé Falcão. Passava da meia-noite quando Chico Pinto discursou. Pediu votos para Falcão, atacou o governo militar, cobrou o fim da ditadura e findou com os versos do Hino da Independência que costumava usar como bordão no encerramento de seus discursos:

– Ou ficar a pátria livre, ou morrer pelo Brasil.

Lysâneas tinha ido para a Rua Nova de automóvel, com Chico Pinto. Ao final do comício, ainda no palanque, buscou ficar perto de Pinto, para regressarem juntos à casa da família do amigo, onde estava hospedado.

Quando estavam descendo do palanque, alguns homens cercaram e ergueram Chico Pinto, que foi colocado nos ombros de um deles. Outros fizeram a mesma coisa com o candidato a prefeito. E lá se foram, Pinto e Zé Falcão literalmente nos ombros do povo.

Atarantado, Lysâneas aproximou-se de outros políticos que havia conhecido naquela noite e que seguiam o grupo. Conversando com eles, espantou-se ao saber que o cortejo seguiria, com os dois políticos carregados, até a casa de Chico Pinto, dois quilômetros além. Era já uma tradição, lhe explicaram.

Naquela madrugada, Lysâneas Maciel emocionou-se com aquela manifestação de carinho e, ao mesmo tempo, de reverência, da pequena multidão que seguia cantando levando seus líderes políticos nos ombros. Ao chegar à residência, Chico Pinto e Zé Falcão foram colocados de pé nas janelas do casarão. De um carro de som estacionado próximo foi puxado um cabo com microfone até os dois políticos, que discursaram novamente.

Ao ver, a seu lado, uma senhora já bem idosa, acompanhando enlevada os discursos e cantando alegremente a música da campanha, sem aparentar qualquer cansaço, apesar da caminhada e do avançado da hora, o Lysâneas Maciel emocionou-se mais ainda e não se conteve: deixou escorrer algumas lágrimas pelo rosto.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

Outras Notícias