Faça e guarde imagens da Baía de Todos-os-Santos antes da ponte Salvador-Itaparica

foto texeira nova

José Carlos Teixeira*

“Tudo é tão simples

Que cabe num cartão postal”

(Cartão postal, de Rita Lee e Paulo Coelho)

 

 

Já se passaram mais de 14 anos desde aquela terça-feira, 29 de março de 2009. Na manhã daquele dia, um sorridente governador Jaques Wagner, erguendo uma fotografia, surpreendeu a todos ao anunciar a obra que, ele acreditava, iria marcar a sua administração: a construção de uma ponte unindo Salvador à Ilha de Itaparica.

A foto exibida mostrava uma faixa da Baía de Todos-os-Santos, vista de um ponto na Praça Municipal, com a montagem de uma ponte que, partindo da capital, passava ao lado do Forte de São Marcelo, fazia uma curva suave adiante e seguia em direção à ilha lá ao longe, no horizonte.

O anúncio foi feito em discurso na abertura da I Mostra Nacional de Desenvolvimento Regional, com a presença do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a poderosa coordenadora do PAC, o Plano de Aceleração do Crescimento, a quem Wagner prometeu entregar o projeto da obra, orçada, na época, em R$ 1 bilhão, com conclusão prevista para 2013.

Desde então, a construção da ponte transformou-se num coelho que os candidatos petistas ao governo da Bahia tiravam da cartola a cada eleição. Serviu para turbinar as campanhas da reeleição de Wagner, em 2010, da eleição e reeleição de Rui, em 2014 e 2018, respectivamente, e no passado, da eleição de Jerônimo Rodrigues, o atual governador.

Durante esses anos, gastaram-se alguns milhões de reais em estudos e projetos e certamente mais que isso em propaganda da obra que ainda não existe – até hoje nem uma única estaca sequer foi fincada no leito da baía.

Um consórcio formado por três empresas chinesas venceu a licitação para a construção e administração da ponte. O contrato foi assinado em novembro de 2020, mas até hoje a obra não foi iniciada. O custo, porém, já ultrapassa os R$ 7,5 bilhões, ao que se sabe.

Mas agora parece que vai. Pelo menos é no que acredita o governador Jerônimo Rodrigues. Na última semana, ele disse que já está tudo certo com os chineses – as três empresas do consorcio querem um aumento na parcela do investimento que cabe ao governo estadual fazer e outras coisinhas mais, que esse pessoal da China não é bobo nem nada.

O governador, porém, garante que está tudo resolvido e que falta apenas resolver umas poucas questões diplomáticas. Ou seja, o futuro da ponte agora está nas mãos dos diplomatas do Itamaraty. Coisa chique!

O caro leitor, bem informado que é, sabe que no mundo da diplomacia, “umas poucas coisas” pode variar bastante. Pode significar muito ou pouco; pode ser 10 ou 100; 3 ou 300, tudo ou quase nada. Nunca se sabe… Pode ser resolvido facilmente ou, alongar-se no tempo, pois sempre são muitas as variáveis a serem levadas em conta.

Mas o nosso governador é um otimista contumaz. Deus o abençoe por isso, aliás, pois de pessimistas, a gente anda cheio. Sabemos que é com pensamentos positivos que se constroem as pontes. Cimento e aço são detalhes, embora andem com os preços nas alturas, segundo os chineses alegam, para justificar a pretensão de arrancar mais dinheiro dos cofres do governo do Estado. Melhor então nos prepararmos para receber a ponte, se inevitável for.

Nesses mais de 14 anos, desde o dia em que Wagner anunciou a obra, li e ouvi um monte de justificativas para a construção da ponte. Tantas que passei a achar que, sem a ponte, a Bahia terminará entrando em um processo de involução tamanho, que poderá até mesmo desaparecer.

Antevejo um cenário de série da Netflix: sem a ponte teremos uma Bahia distópica, sem indústria, sem agricultura, sem pecuária, sem comércio, sem escolas, sem turismo, sem acarajé, sem carnaval, sem axé, sem o Olodum e os Filhos de Gandhy. Até mesmo uma Bahia sem baianos. Então é isso: ou construímos a ponte ou a Bahia desaparece.

Na última semana, porém, li num jornal local, uma nova linha de argumentação que ninguém antes havia pensado ou ousado defender: o fator estético. Na ânsia de louvar a obra e agradar o governo, uma antiga autoridade baiana escreveu que a ponte vai deixar mais bonita a Baía de Todos-os-Santos. Em bom baianês: me faça uma garapa com limão balão!

Assim que o tempo melhorar vou fazer umas fotos e uns vídeos da baía, antes que façam a ponte, para guardar. No futuro, a gente poderá mostrar às crianças como antes era mais bonito.

Convido a amável leitora e o caro leitor a fazerem o mesmo. Há vários mirantes em Salvador que oferecem uma visão privilegiada da kirimurê – que é como os tupinambás chamavam a baía que os portugueses encontraram e batizaram de Todos-os-Santos. Sugiro o mirante ao lado da Igreja da Vitória e o do Largo dos Aflitos, a Praça Thomé de Souza (na parte alta do Elevador Lacerda) e o mirante da Cruz Caída, na Praça da Sé. Nas ruas do Carmo e Direita de Santo Antônio há alguns café e restaurantes com varandas voltadas para a baía.

Mas atenção: se for fotografar na via pública, tome cuidado: com máquina fotográfica ou o celular na mão você já se transforma em alvo preferencial daqueles que antigamente a gente chamava amavelmente de “amigos do alheio”, antes de se tornarem cada vez mais violentos. Tome cuidado, você está na Bahia!

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.

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