Um relatório elaborado pela Superintendência Regional do Trabalho na Bahia (SRT/BA), órgão do Ministério do Trabalho e Emprego, sobre o acidente com a lancha Cavalo Marinho I apontou que vários órgãos são responsáveis, direta ou indiretamente, pela tragédia. Segundo os auditores da SRT, a empresa dona da lancha deixou de cumprir alguns pontos do contrato, e os órgãos competentes não fiscalizaram.
Segundo o documento, apresentado nesta segunda-feira (19) pela Superintendência, 10 condições contribuíram para o naufrágio e outras duas agravaram o acidente (confira abaixo). Um dos pontos aponta que a embarcação apresentava apenas uma saída para os passageiros que estavam no convés inferior – o que dificultou a fuga das vítimas.
Entre as razões apontadas pelo relatório para o naufrágio, que completa sete meses no próximo sábado (24), são a falta de dragagem e desobstrução do canal marítimo de acesso ao atracadouro da praia de Mar Grande, que impossibilitaram a renovação da frota. O coordenador regional de inspeção do trabalho portuário e aquaviário da SRT, Palmério Queiróz, afirmou que a modernização da frota ficou condicionada a esse serviço.
“As empresas argumentam que não podem fazer a troca das lanchas por embarcações maiores e mais seguras porque o atracadouro de Mar Grande não comporta essas embarcações. O edital diz que o governo deveria fazer a dragagem e desobstrução do canal, mas isso não foi cumprido, ou seja, nem um nem o outro cumpriram o contrato”, afirmou Queiróz.
O acidente aconteceu no início da manhã do dia 24 de agosto de 2017. A embarcação Cavalo Marinho I partiu do Terminal de Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, com destino ao Terminal Náutico de Salvador, mas naufragou minutos depois de deixar o porto. A lancha levava 120 pessoas, sendo 116 passageiros e quatro tripulantes – 19 pessoas morreram.
Empresa
Os auditores disseram que a CL Transporte Marítimo, dona da Cavalo Marinho I, cometeu quatro erros que contribuíram para o acidente. O primeiro deles foi realizar alterações que afetaram a navegabilidade da embarcação, com a implantação de lastros de pedra na lancha. O segundo foi não informar à Marinha as alterações realizadas.
O relatório diz que o terceiro erro foi não investir em novas embarcações, como oferecer cabines protegidas contra chuva, vento, e respingos de onda. Segundo os auditores, apesar de estarem desobrigadas a investir em novos equipamentos, como catamarãs, por exemplo, por conta da falta de dragagem e desobstrução não realizada pelo governo do estado, isso não isenta a empresa de fazer as outras mudanças.
Por fim, o documento diz que a concessionária não disponibiliza informações de condições meteorológicas para os comandantes das embarcações, e que transfere para a eles a responsabilidade por decidir ou não fazer a travessia.
Fiscalização
Segundo o relatório, os pontos que foram descumpridos pela concessionária estavam previstos em contrato, mas não foram fiscalizados. Queiróz atribui a responsabilidade por essa fiscalização a Agerba (agência estadual que regula o serviço), a Marinha e ao Ministério Público da Bahia (MP-BA).
Os auditores enfatizaram quatro pontos: utilização de lancha precária na travessia, dificuldade na avaliação das condições meteorológicas, navegação em condições adversas, e limitação de acesso ao canal da praia de Mar Grande.
A SRT apontou também dois fatores que não contribuíram diretamente para o naufrágio, mas que agravaram as consequências do acidente. O primeiro foi a falta de treinamento dos tripulantes e a demora na chegada do resgate após o naufrágio. Segundo Queiróz, o treinamento deveria acontecer mensalmente, e a responsabilidade nesse caso é compartilhada.
“A divulgação de informações aos passageiros e o treinamento de tripulantes é atribuição da Marinha, mas a Agerba, no próprio edital, exige que as embarcações cumpram todas as determinações da Marinha. Então, ela também poderia observar se essas determinações estavam sendo cumpridas”, afirmou.
O relatório foi produzido pelo coordenador regional de inspeção do trabalho portuário e aquaviário da SRT, Palmério Queiróz, e o coordenador de investigação de acidentes, Anastácio Gonçalves Filho. Durante quatro meses eles ouviram sobreviventes e testemunhas do acidente, além de analisar documentos produzidos por outros órgãos.
Citados
Em nota, a Marinha do Brasil informou que irá se manifestar após ter acesso ao relatório da SRT/BA.
Já o MP-BA, em nota, disse que “a precariedade, inadequação, insegurança e os altos valores do serviço de transporte hidroviário de passageiros realizado entre Mar Grande e Salvador foram objeto de apurações realizadas pela instituição desde 2006”. Duas ações civis públicas sobre a questão foram propostas à Justiça, nos anos de 2007 e 2014, pela promotora de Justiça Joseane Suzart. “É completamente improcedente a informação de que não houve fiscalização por parte do Ministério Público do Estado da Bahia em relação ao serviço mencionado”, destaca o MP-BA (confira íntegra da nota abaixo).
Procurada, Agerba ainda não se posicionou sobre o documento. O CORREIO ainda não conseguiu contato com a empresa CL Transporte Marítimo, dona da Cavalo Marinho I e de outras embarcações que fazem a travessia entre Salvador e Mar Grande.
Já a SRT informou que o relatório elaborado pelos auditores será encaminhado para os órgãos competentes nos próximos dias. Ele não é um documento conclusivo sobre a investigação.
A Marinha elaborou um laudo técnico do caso e divulgou o resultado em janeiro. O documento apontou três responsáveis pela tragédia: o engenheiro técnico e o dono da empresa, por negligência, além do comandante da embarcação, por imprudência. Além disso, foi indicado que a embarcação não tinha condições de navegabilidade e que havia lastros (pesos) soltos no convés.
Nesta segunda-feira (19), o delegado Ricardo Amorim, titular da 24ª Delegacia (Vera Cruz), afirmou, ao CORREIO, que já avaliou o laudo da Marinha, divulgado em janeiro, e concluiu o relatório final da investigação policial. Ele não quis, contudo, adiantar as conclusões do inquérito conduzido pela Polícia Civil, que deve ser enviado à Justiça ainda esta semana.
Segundo a Superintendência Regional do Trabalho na Bahia (SRT/BA), contribuíram para o acidente:
- Convés com apenas uma via de escape
- Falta de dragagem e desobstrução
- Alterações na lancha que afetaram a navegabilidade
- Não informar a autoridade marítima sobre as alterações
- Não investir em novas embarcações
- Falta de informações de condições meteorológicas
- Utilização de lancha precária
- Dificuldade de avaliação das condições do tempo
- Nevagação em condições adversas
- Limitação de acesso ao canal da praia de Mar Grande
Fatores relacionados ao acidente
- Falta de treinamento e demora do resgate
- Falta de informações de segurança para os passageiros
Confira, na íntegra, resposta do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA):
“O Ministério Público do Estado da Bahia informa que a precariedade, inadequação, insegurança e os altos valores do serviço de transporte hidroviário de passageiros realizado entre Mar Grande e Salvador foram objeto de apurações realizadas pela instituição desde 2006. Duas ações civis públicas sobre a questão foram propostas à Justiça, nos anos de 2007 e 2014, pela promotora de Justiça Joseane Suzart. Na primeira, o MP alertou sobre as inúmeras irregularidades no transporte de passageiros pelas embarcações, que colocavam em risco, diariamente, a segurança de centenas de pessoas, e, na segunda ação, em 2014, foi solicitada a reforma dos terminais e das embarcações, a renovação dos coletes salva-vidas e outras medidas que assegurassem a saúde e segurança dos usuários. Após a tragédia, o Ministério Público fez um pedido de tutela cautelar de urgência para suspensão do serviço, em 29 de agosto de 2017, e ajuizou uma nova ação civil pública, em 6 de outubro de 2017, requerendo a cassação do serviço prestado pelas empresas que realizam a travessia Salvador-Mar Grande. Portanto, é completamente improcedente a informação de que não houve fiscalização por parte do Ministério Público do Estado da Bahia em relação ao serviço mencionado”.
As informações são do Correio