Florentino sabia: em ano de eleição, produção dobrada

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Mais famoso fabricante de fogos de artifício da Bahia, Florentino Moreira Sales, o Florentino Fogueteiro, como era conhecido, ganhou lugar de destaque na cultura popular e no folclore baianos não só pela habilidade em produzir manualmente artefatos pirotécnicos para os festejos juninos, mas também – e principalmente – pelo fabrico de judas, bonecos de pano para serem queimados nos sábados de Aleluia.

A brincadeira da queima de Judas no Sábado de Aleluia é uma tradição milenar que chegou ao Brasil pelas mãos dos portugueses, no início da colonização. Consiste em botar fogo num boneco de pano no tamanho natural de um homem, recheado de trapos ou papéis, e usando roupas e sapatos velhos. Em alguns lugares, o boneco não é queimado, e sim malhado, com socos, pontapés e golpes de varas desferidos por participantes da brincadeira.

O boneco representa Judas Iscariotes, o discípulo que traiu Jesus e o entregou ao Sinédrio, o tribunal dos antigos judeus, em Jerusalém, onde o Filho de Deus foi condenado à morte. A malhação ou queima do Jutas é uma maneira de os católicos se vingarem daquele que traiu o Cristo em troca de 30 moedas.

Na Bahia, em muitos casos, o boneco tem o rosto coberto por uma fotografia ou lhe penduram no pescoço uma placa com o nome de alguém que caiu no desagrado da comunidade, que aproveita a ocasião para tornar público seu desapreço pela figura. Às vezes é um técnico do time de futebol, um jogador que perdeu um pênalti e acabou entregando o campeonato ao adversário, um vilão de novela de televisão – mas na maioria dos casos é mesmo gente da política.

Tanto que Florentino sabia: em ano de eleição, aumentava a produção, pois os bonecos eram bastante procurados, até mesmo por prefeitos e vereadores de cidades distantes interessados em atacar adversários, e que conheciam a qualidade dos judas, cuidadosamente recheados de fogos de artifício que, por obra e graça do engenho e arte do fogueteiro, só explodiam já no final da queima, para alegria da galera.

Em 2022, o Sábado de Aleluia vai cair no dia 16 de abril – ou seja, duas semanas após o fim do prazo da janela partidária, como é chamado o período de 30 dias em que a legislação eleitoral permite que os deputados federais e estaduais troquem livremente de legenda sem o risco de perderem o mandato por infidelidade partidária.

Florentino, infelizmente, nos deixou em 2006. Desde então o negócio vem sendo tocado por uma filha e netos. Se bem aprenderam com o patriarca, eles certamente vão dobrar a produção dos bonecos no próximo ano. Afinal, pelas conversas entreouvidas nos corredores da Assembleia Legislativa da Bahia nas últimas semanas, a temporada de traições em 2022 promete. Na surdina, já tem governista se articulando com a oposição e oposicionista prometendo se bandear para o governo.

Haja judas para queimar!

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

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