Governo do Estado não se liga na cultura e só nos resta chorar no pé do Caboclo

teixeira foto nova

José Carlos Teixeira*

“Um povo sem memória é um povo sem história.

E um povo sem história está fadado a cometer, no

presente e no futuro, os mesmos erros do passado.”
(Emília Viotti da Costa, historiadora)

 

As imagens do acervo do Museu do Cinema de Cachoeira amontoado na calçada do casarão que o abrigava e do qual foi despejado, na quarta-feira passada, 24, circularam pela internet ao longo da última semana, provocando manifestações de indignada reprovação de artistas e protestos de entidades ligadas à cultura.

O acervo do museu reúne cerca de 8 mil peças zelosamente reunidas e guardadas pelo lendário cineasta Roque Araújo, um pioneiro do cinema novo na Bahia, que trabalhou em todos os filmes de Glauber Rocha.

Ocupava um casarão pertencente ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, o IPAC, que determinou sua retirada pois pretende instalar no local uma nova instituição, a Casa do Sama de Roda. As peças não foram parar num depósito qualquer porque a Fundação Hansen Bahia decidiu acolhê-las, até que se encontre um novo local para abrigá-las.

O receio do pessoal da área de cinema é que o acervo acabe tendo o mesmo fim das obras do escultor Franz Krajberg (1921-2017), um polonês naturalizado brasileiro que doou ao Governo da Bahia seu acervo de 48 mil itens, entre esculturas, gravuras, fotografias e pinturas, com o objetivo de preservá-los após sua morte.

As obras de Krajberg continuam no Sítio Natura, antiga casa e ateliê do artista em Nova Viçosa, no Sul da Bahia, praticamente abandonadas, consumidas por cupins e brocas. Algumas peças selecionadas, porém, foram cedidas em comodato pelo IPAC para decorar um requintado e seletivo cerimonial particular instalado na Ilha dos Frades, na Baía de Todos-os-Santos.

O pouco caso do governo do Estado com acervos e equipamentos culturais, no entanto, não se limita a esses dois casos. No governo Jaques Wagner, o Arquivo Público do Estado da Bahia ficou mais de três anos sem energia por conta de danos na rede elétrica. Os pesquisadores, inclusive vindos do exterior, tinham que recorrer à luz solar para consultar o acervo – apesar dos riscos que essa prática condenável representa para a integridade de documentos antigos.

Como se não bastasse, em novembro passado, o Solar da Quinta dos Lázaros, um prédio erguido no Século XVI e tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1949, onde o arquivo está instalado desde 1980, esteve prestes a ser leiloado por determinação judicial, para quitar uma dívida da extinta Bahiatursa.

O leilão só não ocorreu porque o juiz George Aves de Assis, da 3ª Vara Civil de Salvador, acolheu manifestação do Ministério Público do Estado e estabeleceu um prazo de 60 dias – já expirado, aliás – para que a Fundação Pedro Calmon apresentasse um plano efetivo de salvaguarda e remoção do acervo, considerando a sua importância histórica e cultural.

De fato, trata-se da segunda mais importante instituição arquivística do país, atrás apenas do Arquivo Nacional. Reúne a mais rica coleção de documentos do período colonial, desde 1549, quando Salvador foi criada, até 1763, quando deixou de ser a capital político-administrativa do país e a mais importante cidade do Atlântico Sul.

Quatro de suas coleções de documentos são reconhecidas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como memórias do mundo – ou seja, um patrimônio documental mundial que pertence a todos e deve ser completamente preservado e protegido por todos.

O descaso e abandono avançam até mesmo no campo virtual: a Biblioteca Virtual Consuelo Pondé, especializada em História da Bahia – e que, como o Arquivo Público, é gerida pela Fundação Pedro Calmon – está inacessível há meses, exatamente quando se comemora o bicentenário da Independência da Bahia e, por isso mesmo, é buscada por maior número de pesquisadores.

Só nos resta chorar no pé do Caboclo, como nós, baianos, dizemos.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

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