Meia dúzia de canções e uma ponte sonora

NOVELTA-TODA
a Novelta chega ao lançamento de seu primeiro EP.
a Novelta chega ao lançamento de seu primeiro EP.

Texto de Ana Clara Teixeira, jornalista.  

Depois de um tempo divulgando singles esparsos nas redes sociais e nos shows, a Novelta chega ao lançamento de seu primeiro EP. Quintais Abertos, o título escolhido para o registro, é um jeito minimalista de fazer referência a tudo o que a banda vem experimentando na música independente. Expressa uma recusa característica em erguer barreiras entre as produções e o público, diz sobre a liberdade de se relacionar francamente com a arte, longe das amarras midiáticas. Como uma criança que se sente plena no quintal, onde pode brincar com a terra e as plantas, a Novelta não poderia estar mais à vontade em sua posição.

Para Wendell Fernandes (voz e guitarra), José Cordeiro (guitarra), Filipe Figueiredo (baixo) e Luciano Cotrim (bateria), a música é meio e finalidade, é causa e consequência. Essa visão ajuda a explicar por que o quarteto decidiu cuidar pessoalmente da produção do EP, trabalhando em seis composições que se colocam ao redor de um mesmo eixo: o stoner rock, uma ponte que liga a cidade californiana de Palm Desert ao sertão nordestino. A este som de inspiração sinestésica, que não perde a aspereza nem em seus instantes de psicodelia, a realidade da caatinga se junta sem nunca parecer um corpo estranho.

A primeira faixa é “Santa Poeira”, que também foi o primeiro single lançado pela banda, ainda em 2013. É a canção definidora da Novelta em todos os pontos, com guitarras básicas e letra sobre o cotidiano de muitos sertanejos, sua ignorância, opressão e misticismo desesperado: “Nem parece que estamos tão perto/ neste solo de árido horror./ Aqui na terra com nome de santo/ toda planta tem a mesma cor.// Mas porém, quem dará o sentido/ Se fazem fila para vir me roubar./ Não vejo o sol se acender e nem se apagar.”. O Nordeste está nos vocais de Wendell, que canta cada verso se apegando orgulhosamente a uma entonação regional.

Em “Santos Populares”, o tema é certa cidade famosa por sua vocação para o comércio. Dialogando com “Princesa Comercial”, música do grupo local Uyatã Rayra e a Ira de Rá, a leitura de Feira de Santana se completa numa metáfora cidade-mulher. O ouvinte desavisado pode achar que a sonoridade lembra o Nirvana, mas o que acontece é um processo análogo ao do trio de Seattle. Como fazia Kurt Cobain, a Novelta retorna a influências alternativas oitentistas, como é o caso, sobretudo, do Black Flag, para produzir um som a caminho do acessível.

“Ancorado”, a melhor das canções inéditas, seria o épico do quarteto feirense se essa significação fosse minimamente apropriada. É o tipo de música que escutamos visualizando possíveis clipes, porque sua letra é a mais pessoal, conta a história de uma maneira de viver. Musicalmente, aproveita-se de um flerte com várias subdivisões, do começo que lembra algo mais cool do apanhado das Desert Sessions até uma evolução que termina encontrando bandas como Fatso Jetson e outras que não se identificam com o lado modern rock do stoner feito nos Estados Unidos na década de 1990.

Entrando na segunda metade, o EP se uniformiza numa sonoridade perto de qualquer coisa que Josh Homme tenha gravado após o Kyuss, embora “Êxodo” também soe como uma banda punk/hardcore tentando ser mais melódica – ou o contrário. Em “Beira de São Francisco”, a influência de Queens of the Stone Age é escancarada pelo riff bem parecido com o de “No One Knows”. A letra, em compensação, é outro exemplo de que a Novelta não apenas descobriu uma ponte sonora, como conseguiu cruzá-la na direção do nosso semi-árido: “Manhã de sol e uma lata d’água ela tem que carregar,/ É o curso do rio, mas o rio vai ter que bater pra desviar.// Ah! Já foi melhor! Sinto dizer… A vida parece que não vai melhorar.”.

Conhecendo “Um Espelho”, passamos a saber que Quintais Abertos tem seu hit, e não importa que ele não vá ser executado nas rádios. Importa é que, com seu refrão fácil e suas imagens da vida interior e daquilo que vive diante de nossos olhos, encerra um trabalho que sobressai pela emoção e honestidade com que cada acorde é tocado. Um dos versos excelentes da Novelta, e muitos o são, comunica uma certeza que fica inabalável do início ao fim da audição desta estreia: “Coração na mão não há de se perder”. Não mesmo.

Download: www.novelta.com.br

Facebook: facebook.com/noveltarock

Foto de capa: Guilherme Caixeta Andriani

 

 

 

 

 

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