Mensageiro dos deuses, guardião das ruas da Bahia, Exu é o protetor dos vereadores

foto texeira nova

José Carlos Teixeira*

“O ser humano é livre para

abraçar qualquer crença.”

(Mãe Stella de Oxóssi)

A Câmara Municipal da Feira de Santana ocupa, desde 1982, o prédio da antiga cadeia da cidade, erguido num ponto em que as ruas Visconde do Rio Branco e Intendente Rui se cruzam. Sua posição geográfica na malha urbana, no cruzamento de duas ruas, encerra um simbolismo místico muito forte.

Uma encruzilhada é um ponto neutro de onde se descortinam vários caminhos. O escolher qual seguir é decisão e destino de cada um.

As encruzilhadas são o território por excelência de Exu, o mensageiro dos deuses, o senhor dos destinos, o guardião das ruas dessa Bahia de todos os deuses. Ali, ele está sempre a postos para exercer seu importante papel de estabelecer a comunicação entre os homens e os orixás que formam o panteão de divindades do candomblé.

Olhando por esse prisma, Exu é o protetor dos vereadores. Afinal, não são suas excelências, como ele, agentes de transformação e mudança? Não lhes cabe estabelecer a comunicação entre os munícipes e os órgãos governamentais, assim como Exu o faz entre os homens e os orixás?

Assim o é, laroiê!

Causa estranheza, para dizer o mínimo, ver alguns vereadores feirenses ocuparem a tribuna daquela Casa para proferir candentes discursos de demonização de Exu, de satanização de uma das mais importantes divindades das religiões de matriz africana, em claras e repulsivas manifestações de intolerância religiosa, com a aquiescência da maioria dos seus pares escondida sob o manto da indiferença.

O pretexto para tais condenáveis manifestações chega a ser risível, não fosse o assunto tão sério: inconformismo com o fato de a escola de samba Acadêmicos do Grande Rio ter escolhido Exu como tema do enredo com que desfilou no Carnaval fora de época realizado semanas atrás no Rio de Janeiro, distante 1.500 quilômetros de Feira.

Tivessem suas excelências prestado atenção de fato ao desfile da escola de samba – que lhe valeu o título de campeã do Carnaval de 2022 – veriam que o enredo Fala, Majeté! Sete chaves de Exu, para além de homenagear o orixá, desmistifica a equivocada associação de Exu à figura do diabo e critica duramente o fundamentalismo que orienta e faz crescer esse equívoco.

A propósito: no mês passado, o experiente jornalista e sagaz pesquisador Jorge Ramos, lembrou que há 100 anos, em 1920, o chefe de polícia Pedro de Azevedo Gordilho, invadiu o terreiro do Pai Jubiabá (Severiano Manoel de Abreu, imortalizado na obra de Jorge Amado) e apreendeu a cadeira de comando do tata de inquice durante uma batida policial. A cadeira só foi devolvida 95 anos depois – e hoje é peça de destaque no memorial do terreiro Mokambo.

O chefe de polícia – tratado por Jorge Amado como o delegado Pedrito Gordo no livro Tenda dos Milagres – entrou para a história, mas como o terror dos praticantes do culto afro, aos quais perseguia com violência, arrombando as portas dos candomblés, destruindo pejis, apreendendo objetos do culto, prendendo e até mesmo espancando babalaôs e mães-de-santo.

É triste. Mais de um século se passou e Pedrito Gordo ainda tem admiradores nesta Bahia de todos os santos, orixás e encantados.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

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