Narrativas não expressam diversidade brasileira, dizem escritoras

Movimento na abertura da 34ª Feira do Livro de Brasília. Valter Campanato/Agência Brasil
Movimento na abertura da 34ª Feira do Livro de Brasília. Valter Campanato/Agência Brasil
Movimento na abertura da 34ª Feira do Livro de Brasília. Valter Campanato/Agência Brasil

Mais de 70% dos livros publicados no Brasil entre 2005 e 2014 são de homens, com uma predominância de 97,5% de autores brancos, revela pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília (UnB). Para escritoras brasileiras, o dado expressa uma realidade sentida por autoras que reivindicam “narrativas a partir de outras vozes”. “A gente escreve sobre um universo que nos é familiar. Como essa literatura feita hoje chega a um leitor que não se identifica com esse universo?”, questionou a escritora Ana Maria Gonçalves, autora de “Um defeito de cor”.

Ela participou esta semana em São Paulo, junto com a também escritora Bianca Santana e a chilena Sara Bertrand, do Seminário Leitura e Escrita: lugares de fala e visibilidade, no qual debateram sobre o tema “Direitos Humanos e Literatura”. “A gente luta pela diversidade dessas histórias, dessas mulheres e homens negros que estão aí tentando fazer uma literatura, que dificilmente vai chegar até vocês. É algo que tem que ir atrás. Quando você quer só ler mulheres negras, tem que ir atrás, perguntar, não é espaço fácil. Outras histórias precisam ser contadas”, disse Ana Maria.

Sara Bertrand também enfatiza a necessidade de uma literatura plural. “Existe um coro de vozes que merecem ser escutados. Merecemos. O mundo talvez fosse diferente se deixassem de temer a linguagem e começarmos a entender a causa desse medo, medo de começar a escutar as mulheres, os homossexuais”, disse a autora de “A mulher da guarda”. Nascida na ditadura chilena (1973-1990), a escritora aponta que essa experiência marca sua escrita. “Não vejo distinção entre o que escrevo a partir da memória, da identidade e a pergunta ‘para onde vai a humanidade?’”.

O levantamento desenvolvido pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea da Universidade de Brasília (UnB) revela também que mais de 60% dos autores moram no eixo Rio-São Paulo. A pesquisa, que traça um panorama dos romances brasileiros, analisa três períodos: de 1965 a 1979, de 1990 a 2004 e 2005 a 2014. Em relação ao sexo dos autores, percebe-se que há um pequeno avanço na participação feminina entre o segundo (27,3%) e o terceiro período (29,4%). O percentual na década de 1970 era de 17,4%. Em relação à questão racial, a participação de brancos se ampliou, passando de 93% de 1965 a 1979, chegando a 93,9% de 1990 a 2004 e alcançando 97,5% de 2005 a 2014.

Para a coordenadora do estudo Regina Dalcastagnè, professora do Departamento de Teorias Literárias e Literaturas da UnB, os dados demonstram que o racismo estrutural na sociedade brasileira também está presente no meio literário. “O racismo, quando não exclui simplesmente, dificulta o acesso dos negros a todos os espaços legitimados de produção e enunciação de discursos – espaços de poder, em suma. Não se trata de acusar um editor ou outro de ser racista ao não publicar autores negros, é mais complexo que isso, e por isso mesmo é pior”.

Ela avalia que o campo literário – formado por escritores, editores, críticos, professores, jornalistas, curadores, bibliotecários, leitores – aceita “muito mal a produção de autores negros”. “Quando muito, coloca-a em um nicho para evitar que se misture à Literatura com ‘l’ maiúsculo, aquela coisa que não teria cor, sexo, classe, orientação sexual, idade”, apontou. Para a pesquisadora, no entanto, esse contexto vem, aos poucos, se alterando. “Nunca tivemos tantos escritores negros e negras produzindo e sendo lidos – é preciso lembrar que o acesso dos negros ao letramento no Brasil foi muito tardio e que o acesso às universidades é recentíssimo”.

Regina Dalcastagnè avalia que redes sociais, publicações independentes, coletivos de escritores, pequenas editoras têm apontados novos caminhos na democratização da literatura. “O caminho não parece ser o das grandes editoras, das grandes livrarias e da grande mídia”.

 

Outras Notícias