Negros são os mais ameaçados por crise econômica no Brasil

Segundo relatora, Brasil pode fracassar em capitalizar os avanços de inclusão feitos até agora. Foto: Agência Brasil
Segundo relatora, Brasil pode fracassar em capitalizar os avanços de inclusão feitos até agora. Foto: Agência Brasil
Segundo relatora, Brasil pode fracassar em capitalizar os avanços de inclusão feitos até agora. Foto: Agência Brasil
Segundo relatora, Brasil pode fracassar em capitalizar os avanços de inclusão feitos até agora. Foto: Agência Brasil

Relatora especial das Nações Unidas sobre Questões de Minorias, Rita Izsák elogiou políticas de igualdade adotadas pelo Brasil, mas alertou que essas comunidades “imploram” por resultados imediatos. “As pessoas estão muito impacientes”, disse Izsák, em entrevista à BBC Brasil.

No relatório, apresentado na última quinta-feira (24), ela criticou a falta de representatividade de negros em posições públicas e privadas e disse que o país pode fracassar em capitalizar nos avanços feitos até agora se não houver diálogo e confiança. “O tecido social é muito frágil”.

Rita Izsák apresentou relatório sobre minorias em Brasília e disse que 'pobreza no Brasil tem cor'. Foto: Agência Brasil
Rita Izsák apresentou relatório sobre minorias em Brasília e disse que ‘pobreza no Brasil tem cor’. Foto: Agência Brasil

Foi a primeira missão oficial de Izsák no Brasil. Em 11 dias, visitou cidades na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. Nascida na Hungria, ela disse ainda que a mídia precisar expor mais “modelos negros” para romper o ciclo de marginalização, e que a exposição de negros na TV é, geralmente, relacionada à violência e à criminalidade. “Infelizmente, não há modelos positivos”.

Veja abaixo trechos da entrevista, feita por telefone, de Brasília.

BBC Brasil – Qual é a conclusão do relatório?

Rita Izsák – Há muitas boas leis e políticas para proteger os direitos das minorias. No entanto, elas exigem medidas mais imediatas que possam se manifestar em mudanças reais em suas vidas.

Trata-se de um momento muito positivo no Brasil. (Mas) eu vejo que o tecido social é muito frágil, as pessoas estão muito impacientes, especialmente grupos que sentem que estão marginalizados há muitos anos e querem mudanças reais.

Mas, ao mesmo tempo, todo mundo reconhece que depois de 500 anos de injustiça e escravidão é muito difícil obter progresso. Mas há certas medidas e políticas que deveriam ser adotadas o mais breve possível.

BBC Brasil – No relatório, a Srª diz que os negros brasileiros são “marginalizados”, apesar de todas as políticas recentes de inclusão. Como isso se dá na realidade?

Izsák – Há estatísticas claras das diferenças de expectativa de vida, renda, representação dos negros na sociedade. E há alguns dados bem chocantes que deixam claro esse ‘abismo racial’: em termos de representação política e poder econômico, a população negra está realmente atrás da população não-negra, branca.

O ponto bom é que isso é mostrado por dados e o governo brasileiro adotou muitas leis para superar estes desafios.

BBC Brasil – A Srª disse que a violência tem uma “clara dimensão racial clara”, incluindo violência policial. Negros se tornam alvo por causa da cor?

Izsák – É uma questão muito complicada. A guerra às drogas é uma fonte de violência contra brasileiros negros. A taxa de homicídios no Brasil é estimada em 56 mil pessoas por ano (O Brasil é o país com o maior número de homicídios do mundo em termos absolutos), e há estimativa que 75% das vítimas sejam negros.

Trata-se de algo preocupante. Especialmente se considerarmos que negros são 75% da população carcerária.

BBC Brasil – A Srª disse que as minorias estão “impacientes”. Há algum risco de revolta social?

Izsák – Eu fui a favelas e comunidades quilombolas. Favelas tendem a ficar nos subúrbios das cidades, em situações muito difíceis. E as comunidades quilombolas, muitas vezes, estão bem longe de centros urbanos.

E essas comunidades estão realmente implorando por medidas. Às vezes, o que elas pedem não é muito, como um centro comunitário. Nas favelas, a população reivindica apenas alguns serviços, para que não fique apenas nas ruas, mas tenha algo para fazer. Eles querem estudar, por exemplo.

Nas comunidades quilombolas, eles pedem a demarcação da terra, para que tenham liberdade de sobreviver e continuar com suas tradições.

E essas comunidades estão realmente ficando impacientes. Eles recebem promessas, mas dizem que isso não é o suficiente.

E na atual crise política e econômica é importante dizer que o Brasil está no caminho certo. Reconheço que houve muito progresso. Mas ele não pode parar.

Essas comunidades reivindicam que as secretarias especiais de Direitos Humanos e de Igualdade Racial mantenham suas posições, tenham seus orçamentos e autoridade. Porque, caso contrário, temo que se esses mecanismos desaparecerem, essas comunidades fiquem ainda mais desesperadas e sem esperança sobre seu futuro.

BBC Brasil – Parece ser um círculo vicioso difícil de quebrar ─ os pais desses jovens passaram por dificuldades e agora são seus filhos.

Izsák – O que nós ouvimos dos jovens nas favelas é que, às vezes, eles precisam de um modelo. Porque não há professores negros. Ou modelos positivos negros na mídia.

No horário nobre, é muito difícil ver algum personagem negro positivo na TV. A comunidade negra é sempre retratada pela ótica da criminalidade e violência. Quando não há modelos inspiradores… é claro que esses jovens vão seguir os passos de traficantes que despontam como indivíduos bem sucedidos em suas comunidades.

É possível romper esse círculo vicioso, mas é necessário ter mais rostos negros no dia a dia em geral. E, para isso, é necessária uma mudança radical sobre como a mídia retrata essa população.

BBC Brasil – E por que é tão difícil para a sociedade brasileira acolher os negros, se 53% da população se diz negra (O IBGE se refere a “pretos” e “pardos” como “negros”).

Izsák – Essa é a pergunta de US$ 1 milhão! Isso é o que a gente tem tentado descobrir. É dificil, porque quando nos encontramos com autoridades, elas são brancas, na maioria. São bem comprometidas e dizem “sim, a gente precisa superar isso”.

Acho que é preciso uma mudança no pensamento. Negros muitas vezes se consideram vítimas. E acho que é completamente compreensível, dado o contexto histórico e escravidão.

Mas acredito que, muitas vezes, esse estigma também vem da população branca, que ainda considera negros como animadores, sambistas, por exemplo. Mas quando se trata de negros intelectuais, há uma abertura bem menor. A gente precisa superar esses estereótipos.

BBC Brasil – O Brasil é um país racista?

Izsák – Há pessoas racistas, mas há também progressistas, como em todo lugar. (Mas) eu não diria que o Brasil é um país racista.

Acho que uma das questões aqui é a concentração do poder político, econômico e midiático nas mãos de algumas pessoas. E, entre eles, encontramos muitos que não acreditam no potencial de negros. Não é que a maioria dos brasileiros seja racista, eu duvido disso.

BBC Brasil – A srª disse que “a pobreza no Brasil tem cor”. Os negros são os mais ameaçados pela crise econômica do país?

Izsák – Com certeza, não há nenhuma dúvida sobre isso.

*BBC Brasil

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