O beijo na corda do bloco Os Internacionais, nos bons tempos de aglomeração

foto texeira nova

José Carlos Teixeira*

Foi na Quarta-feira de Cinzas, lá pelos meados dos anos 1970. O telefone tocou na sala da Secretaria de Redação da Tribuna da Bahia, em Salvador. A telefonista avisou: uma pessoa na portaria queria falar com o chefe da Redação e explicava que era assunto da maior seriedade.

O editor-chefe, Milton Caires de Brito, não estava. Na falta do saudoso “Doutor Milton”, como o tratávamos, o secretário de redação era o próximo na linha de sucessão – algo assim como João Leão, na ausência de Rui Costa. Mandei subir. A redação ficava no terceiro andar.

O homem, com o rosto angustiado, entrou na minha sala, levado por Churrasquinho, o office-boy da Redação. Trazia um exemplar da edição do dia do jornal na mão esquerda. Com a direita estendida, me cumprimentou. Não chegou a sentar na cadeira que lhe ofereci. De pé estendeu o jornal na minha mesa e apontou a enorme foto, ocupando cinco colunas da parte inferior da primeira página.

Na foto, um integrante do bloco Os Internacionais – agremiação que se vangloriava de acolher os homens mais bonitos da Bahia, embora até hoje haja dúvidas quanto a isso –, do lado de dentro da corda, beijava uma mulher que estava do lado de fora.

Mas não era um beijo qualquer aquele. Era um beijo cinematográfico. Gregory Peck beijando Deborah Kerr num daqueles filmes de Hollywood. Uma cena tão maravilhosa e impactante que ganhou o destaque enorme na primeira página do jornal.

– Essa é minha mulher – disse o homem, a voz bem baixinha, quase segredando.

Olhei a fotografia cuidadosamente, embora eu mesmo a tivesse escolhido para a primeira página na véspera, no fechamento da edição. Ganhava tempo, recuperando-me da surpresa. Era uma mulher bonita na foto, cabelos pretos batendo nos ombros, o corpo esticando-se para o beijo. E, claramente, o homem da foto não era aquele à minha frente.

Ainda com a voz baixa, o homem explicou que gostaria de ter a foto, pois pretendia separar-se da mulher e queria usar o flagrante como prova inequívoca de traição.

Expliquei, meio sem graça, que o jornal não costumava ceder suas fotografias. Havia a questão dos direitos autorais do fotógrafo… Observei que uma cópia do jornal, com a fotografia publicada seria prova suficiente… Mas, finalmente, acedi, mandei buscar no arquivo a cópia da fotografia que fora usada na edição e entreguei ao homem, que agradeceu e se retirou – não direi que satisfeito, mas ao menos certo de que fizera o que era necessário.

Passaram-se meses e em janeiro do ano seguinte o telefone. Era a telefonista dizendo que havia uma pessoa que desejava falar comigo. Mandei subir. Quando entrou na sala da Secretaria, eu logo o reconheci. Era o homem que se apresentara como marido da mulher cuja foto beijando outro homem o jornal havia publicado.

Dessa vez, porém, ele não estava acanhado, nem angustiado. Estava furioso. Explicou que não chegara a separar-se da mulher. Fizeram as pazes, juraram novamente eterno amor, e desde então estavam bem. A confiança fora recuperada. O amor sempre prevalece.

Agitado, estendeu um exemplar da edição do dia da Tribuna, como fizera meses antes, abriu em uma das páginas internas e apontou, o dedo inquieto: uma fotografia de arquivo ilustrava uma notícia anunciando que na semana seguinte o bloco Os Internacionais iria apresentar sua nova fantasia para o Carnaval que se aproximava.

Pasme, gentil leitora! Creia, amável leitor. Era a foto do beijo. A mesma

Liguei para o arquivo, pedi que me enviassem todas as cópias das fotos que mostravam aquela cena, com os respectivos negativos. Coloquei tudo em um envelope grande e entreguei ao homem. Não havia muito o que conversar. Mais calmo, ele me agradeceu e saiu rápido. Nas mãos um envelope com uma sequência de fotos mostrando um beijo cinematográfico na corda de um cordão de Carnaval. Coisa de Hollywood.

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