O bombardeio de Salvador e a destruição do Palácio Rio Branco

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José Carlos Teixeira*

Quando o trovão roncou na cidade

Ninguém pensou que fosse bombardeio

Depois, foi o que se viu… e esteve feio!

Dos tiros – nem se sabe a quantidade

(Lulu Parola, no Jornal de Notícias).

 

Faltavam exatamente vinte minutos para as duas horas da tarde do dia 10 de janeiro de 1912 quando ecoaram os dois primeiros tiros disparados pela artilharia do Forte São Marcelo. O barulho assustou parte dos moradores da Cidade do Salvador, então com pouco mais de 250 mil habitantes, mas não houve danos. Eram tiros de pólvora seca.

Uma mera advertência. De certo modo, desnecessária: o comércio da Cidade Baixa já havia fechado, as repartições públicas, lojas, escritórios e consultórios médicos instalados na Rua da Misericórdia e na Rua Chile também já haviam cerrado as portas e as famílias que moravam na área já haviam deixado suas casas.

Às 14 horas em ponto, os canhões do Forte do Mar voltaram a trovejar. Mas dessa vez era pra valer. Foram pelo menos vinte tiros com balas de verdade disparados no intervalo de vinte minutos, conta o saudoso professor Luís Henrique Dias Tavares, mestre querido, no monumental “História da Bahia”, um clássico da historiografia baiana.

A maioria dos tiros atingiu a base do Palácio Rio Branco, no lado que dá para a Ladeira da Montanha, e as paredes do fundo do prédio cuja construção fora concluída doze anos antes – no mesmo local onde Thomé de Souza fizera erguer uma acanhada casa de taipa, em 1549, para sediar o governo-geral na recém-fundada Cidade do Salvador, primeira capital do Brasil.

Foram quatro horas de canhoneio. Além do São Marcelo, também dispararam seus canhões sobre a cidade os fortes do Barbalho e de São Pedro. Os petardos atingiram também a torre, a fachada e salas da Câmara, o Teatro São João (na Praça Castro Alves, onde hoje é o Palácio dos Esportes), a Igreja da Sé (que seria demolida poucos anos depois, em 1933, para deixar passar os trilhos dos bondes de uma empresa inglesa, a Companhia Linha Circular de Carris da Bahia) e alguns sobrados da Rua Chile.

O estrago maior, no entanto, foi no Palácio Rio Branco. Uma bala atravessou o teto e provocou um incêndio que consumiu boa parte do interior do prédio, alcançando inclusive a centenária Biblioteca Pública da Bahia, criada em 1811 e que funcionava no primeiro andar, destruindo ou danificando parcialmente milhares de livros raros e documentos.

O pano de fundo do bombardeio da cidade foi uma intensa disputa entre as facções políticas lideradas pelo senador Ruy Barbosa e pelo então ministro de Viação e Obras Públicas, J. J. Seabra, pré-candidato a governador na eleição que se avizinhava.

O pretexto para a ação militar, autorizada pelo presidente da Republica, o marechal Hermes da Fonseca, ao qual Seabra era ligado, foi fazer cumprir um habeas corpus expedido pela Justiça para garantir a entrada dos deputados seabristas na Câmara, guardada pela polícia estadual.

Ao bombardeio seguiram-se choques entre tropas do Exército, soldados da Polícia Militar e civis armados em diversos pontos da cidade. Os distúrbios deixaram algumas mortes e as manifestações só acabaram duas semanas depois, no dia 25.

Exatos noventa anos após o bombardeio, o Palácio Rio Branco, que foi reconstruído e funcionou como sede do Governo do Estado até 1979, quando a Governadoria mudou-se para o Centro Administrativo da Bahia, está sendo transferido à iniciativa privada. Vai virar um hotel de luxo. Com a operação, uma espécie de aluguel por 35 anos, o governo vai receber 26 milhões de reais. Mas só vai ver o dinheiro do primeiro aluguel daqui a 16 anos.

O governo alega que é o melhor a fazer, pois não dispõe de recursos para a manutenção do prédio, um bem histórico do povo baiano.  Faz sentido. Melhor passar adiante, como fez com o Colégio Estadual Odorico Tavares, no valorizadíssimo Corredor da Vitória, do que repetir o acontecido com o Centro de Convenções da Bahia, que desabou por falta de manutenção.

Pelo sim, pelo não, abri ontem uma caderneta de poupança e iniciei uma operação desapego, pondo à venda, pelo OLX, móveis, livros, discos, roupas e outras coisas que já não utilizo. Preciso juntar dinheiro. Vai que o governador Rui Costa resolve passar adiante o Palácio de Ondina…

 


*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

 

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