O Crack e o perigo das abordagens paternalistas

Dr Luiz Fernando Pedroso 
Foto: Reprodução
Dr Luiz Fernando Pedroso Foto: Reprodução

Por Dr. Luiz Fernando Pedroso*

Não há uso recreativo de crack. Subproduto da cocaína, o crack é a apresentação mais destrutiva desta droga. Além da frequência de uso, a forma como a droga é consumida faz muita diferença na relação do indivíduo com o vício. O uso de crack, em relação à cocaína, equivale a do alcoólatra que dispensa a cerveja, o uísque ou a vodca, passando a beber um frasco de perfume ou de álcool puro.

A espetacularização das drogas pouco contribui para o trabalho de prevenção, pois mais mistifica/sataniza o uso do que educa a população, escondendo a patologia mental que há por trás da dependência química. Pessoas não somente ficam doentes por causa das drogas, como se tornam dependentes por já possuírem uma patologia anterior responsável por desencadear o vício.

É ponto pacífico que a divulgação de informações sérias sobre a droga e o vício é uma medida crucial na prevenção; contudo, tão importante quanto este trabalho é a devida responsabilização do usuário sobre seus atos. Todos, sem exceção, se escondem numa postura infantilizada de irresponsabilidade sobre sua dependência: culpam a família, a sociedade, o vizinho, enfim, todos os outros, menos a si mesmos. Com exceção dos transtornos de personalidade, a dependência química é, talvez, o único transtorno mental que não pode ser justificado ou servir de álibi para a incapacidade do sujeito.

Na contramão deste cenário, a ação terapêutica começa com responsabilização do indivíduo sobre seu vício. Por isso, as abordagens paternalistas, o uso político de caráter populista e o papel intervencionista do estado (as políticas de proibição) são prejudiciais, pois reforçam a irresponsabilidade e a inconsequência do dependente, acabando por inviabilizar sua recuperação.

As cracolândias são um exemplo disso. A permissividade do poder público com certos comportamentos, no mínimo promíscuos, em praça pública o torna cúmplice do problema. O dependente que quebra o decoro social da exposição pública devia ser sumariamente detido para a preservação do espaço publico; depois, lhe deve ser garantido o acesso a um tratamento e recuperação, medida que sempre depende mais do dependente químico do que do Estado.

Existem muitas estatísticas a respeito do tema, 99% delas sem consistência cientifica ou ideologicamente enviesadas. Porém, uma pesquisa recente publicada pelo portal G1 em 07/05, afirma que 40% dos dependentes tratados nos quatro centros de acolhimento do Rio de Janeiro sofrem recaídas ao longo da vida. Trata-se de uma estimativa muito otimista: significa 60% de recuperação, e quem conseguisse este êxito mereceria um Nobel. Há muito tempo convencionou-se entre os técnicos uma taxa de recuperação de 33% para qualquer tipo de tratamento. No caso do crack, esse é ainda um número muito otimista.

*Dr. Luiz Fernando Pedroso é médico psiquiatra e diretor Clínico do Espaço Holos.

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