O dia em que o deputado Zé Neto passou a perna no prefeito Colbert

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A enfermeira Mônica Calazans, moradora de Itaquera, bairro da Zona Leste de São Paulo onde o brioso Sport Club Corinthians Paulista construiu a sua arena, entrou para a história em 17 de janeiro do ano que hoje se finda. Na tarde daquele dia, um domingo, ela recebeu uma dose de Coronavac produzida pelo Instituto Butantan e tornou-se, oficialmente, a primeira pessoa a ser vacinada contra a covid-19 no Brasil.

Mônica é uma mulher negra de 55 anos. Uma batalhadora. Trabalhou 26 anos como auxiliar de enfermagem. Fez faculdade tardiamente e conseguiu o diploma de enfermeira aos 47 anos. Diabética, hipertensa e obesa, ela tem perfil de alto risco para as complicações da covid-19. Mesmo assim, em pleno pico da pandemia, ela foi trabalhar no Emílio Ribas, hospital de referência nacional para tratamento da doença.

A agulhada e o sorriso de alegria de Mônica, exibidos em rede nacional pelos telejornais, representaram um alento de esperança para milhões de brasileiros atemorizados pelo número crescente de mortes causadas por uma das maiores pandemias enfrentadas pela humanidade – o que não impediu a enfermeira, porém, de ser alvo de ataques virtuais por parte de desinformados e negacionistas que pregam a resistência à vacinação, estimulados pelo próprio governo federal.

Dois dias, depois, as vacinas chegaram a Feira de Santana e a primeira pessoa a ser vacinada foi também uma enfermeira, Layse Bastos – a Lay da Saúde, como ela se apresentara no ano anterior ao eleitorado de Ipirá, onde disputara, sem sucesso, uma cadeira na Câmara de Vereadores pelo PT, com ostensivo apoio do deputado federal Zé Neto. Layse, na época com 33 anos, trabalhava no Hospital Geral Clériston Andrade, também na linha de frente do combate à doença.

A solenidade de vacinação de Lay da Saúde, realizada na manhã do dia 19, antes mesmo da entrega do primeiro lote de imunizantes encaminhado pelo Governo do Estado à Prefeitura de Feira de Santana, ocorreu em uma sala do próprio Hospital Geral Clériston Andrade. Presentes, o diretor geral do hospital, o coordenador regional de saúde e o deputado petista Zé Neto. Todos ladeados por enfermeiras e usando vistosos jalecos bem passados e imaculadamente brancos.

Despida de qualquer simbolismo, de qualquer intenção de dar esperanças aos feirenses, o único objetivo da cena foi possibilitar a gravação de imagens, postadas imediatamente nas redes sociais de Zé Neto e distribuídas à imprensa pela assessoria do deputado, acompanhadas de um texto informando o quanto o parlamentar trabalhara para que aquilo acontecesse.

Principal autoridade do município e responsável local pela vacinação, o prefeito Colbert Martins, que é do MDB e adversário político do deputado petista, não participou da solenidade. Aliás, sequer foi convidado. Nem sabia. Ele acabara de determinar a organização de uma solenidade para marcar o início da vacinação, quando soube pela imprensa que Zé Neto se antecipara e lhe passara a perna. Um a zero para o petista, que menos de três meses antes perdera para o adversário a disputa pela prefeitura.

Ah, não houve desvio de vacinas para a façanha de Zé Neto, como disseram políticos ligados ao prefeito. Foi usada uma dose do estoque destinado ao hospital. Sim, das 9 mil doses do primeiro lote de vacinas encaminhado a Feira de Santana, a prefeitura recebeu apenas 6 mil. As outras 3 mil foram entregues ao Hospital Regional Clériston Andrade, que, aliás, muitas vezes tem sido chamado de prefeitura paralela. Faz sentido.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

 

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