O FALSO TESTEMUNHO, O PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO E A PRISÃO DE ROBERTO DIAS

812dbc78-e80b-4bb6-be66-fe9b5196ae65

No dia 07 de julho de 2021, na sala de inquirição da CPI da Covid, o Brasil assistiu ao depoimento de Roberto Dias, que resultou em sua prisão em flagrante por suposta violação ao art. 342 do Código Penal. De acordo com a matéria do BBC News/Brasil: “Segundo Aziz, Dias cometeu perjúrio ao dizer que não havia marcado um encontro com o empresário e policial Luiz Paulo Dominguetti em 25 de fevereiro, num restaurante em Brasília. Dominguetti, que se apresenta como representante da Davati Medical Supply, diz que o encontro serviu para tratar de uma oferta de 400 milhões de doses da vacina Astrazeneca ao Ministério da Saúde. Segundo ele, Dias pediu propina durante esse jantar para que o contrato fosse fechado”.

Como se pode perceber da leitura da matéria do site da BBC News/Brasil, o falso testemunho que gerou a prisão em flagrante de Roberto Dias, consiste no fato de ter ele negado que teve um encontro com o empresário e policial Luiz Paulo Dominguetti que o acusa de ter, naquela oportunidade, pedido propina durante o jantar para que o suposto acordo ilícito fosse fechado.

Ora, como se pode aferir das circunstâncias do caso, a resposta positiva de Roberto Dias, naquela oportunidade, seria uma confissão, uma verdadeira autoincriminação, posto que assumiria um suposto ato de corrupção para uma possível compra de vacinas pelo Ministério da Saúde.

Ocorre que o Pacto de São José da Costa Rica, referendado pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo n. 27/92, e posteriormente promulgado através do Decreto Presidencial n. 678, de 6 de novembro de 1992, prevê expressamente o direito à não autoincriminação: “Art. 8. Garantias judiciais […] 2. […] Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: […] direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.


O Supremo Tribunal Federal já decidiu neste sentido: “PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FALSO TESTEMUNHO. INOCORRÊNCIA. LEI 1.579/52, ART. 4º, II (CP, ART. 342). COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. TESTEMUNHA. PRISÃO EM FLAGRANTE. CPP, ART. 307. I. – Não configura o crime de falso testemunho, quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la. II. – Nulidade do auto de prisão em flagrante lavrado por determinação do Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito, dado que não se consignou qual a declaração falsa feita pelo depoente e a razão pela qual assim a considerou a Comissão. III. – Auto de prisão em flagrante lavrado por quem não preenche a condições de autoridade (art. 307 do CPP). IV. – H.C. deferido”. (STF – HC: 73035 DF, Relator: CARLOS VELLOSO, Data de Julgamento: 13/11/1996, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 19-12-1996 PP-51766 EMENT VOL-01855-02 PP-00236).

Assim, não há falso testemunho na conduta de Roberto Dias, ainda que seu discurso seja eivado de inverdades, o que não se poderia aferir apenas naquele momento, pois parte-se da veracidade de um depoimento anterior que também pode ser falso, e, consequentemente, não é caso de prisão em flagrante. Aquele que faz afirmação falsa para não se autoincriminar não comete crime algum, visto que está acobertado pelo princípio da não autoincriminação, sendo certa a atipicidade da conduta e ilegalidade da prisão.

Condutas como esta, refletem um grave período em que vivemos, fruto do retorno ao sistema inquisitivo, cujos ideais foram reacendidos pela herança deixada com a Operação Lava Jato. A matriz ideológica do Código Rocco permanece a exaltar a mentalidade inquisitória dos dias atuais. Perdemos a memória das agruras do sistema antidemocrático, como bem asseverou Guimarães Rosa: “de nada me lembro, no profundo passado, estou morto, morto, morto”.

Outras Notícias