O poder feminino nas eleições e o despacho de Exu

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José Carlos Teixeira*

O ano que se inicia, tão profundamente marcado por desejos de mudança – e um elevado grau de esperança de que seja para melhor, pois já não aguentamos tanta regressão! –, será regido por três iabás, como são chamados os orixás femininos do candomblé.

A bela Oxum, deusa das águas doces, a forte Iemanjá, rainha do mar, e a sábia Nanã, a das águas profundas, nos guiarão e protegerão durante os 365 dias de 2022. É o que diz a ialorixá Joselita Sampaio, mãe de santo do Terreiro Ylé Axé Yoromym, de São Félix, ali no Recôncavo da Baía de Todos-os-Santos.

Atenção, portanto, dirigentes ou donos de partidos políticos (sim, se a gentil leitora não sabia, fique sabendo que no Brasil há partidos com donos, que neles mandam e, sobretudo, desmandam), bem como os demais envolvidos na disputa eleitoral de outubro próximo, quando elegeremos presidente, governadores, senadores e deputados estaduais e federais. Fiquem atentos, pois este ano as eleições serão regidas pelo poder feminino.

E não estou falando apenas da legislação eleitoral, que estabelece cotas para as mulheres na formação das chapas que disputarão as eleições para as assembleias legislativas e para a Câmara dos Deputados. E que determina ainda que às candidatas sejam destinados pelo menos 30% das verbas do fundo eleitoral de financiamento das campanhas.

Estou falando do poder feminino que se manifesta por meio dos mistérios da religiosidade do povo de santo. Ah, é ateu e nunca viu milagres? Olha, meu amigo, estimado leitor, não descreia, nem se engane. Converse com alguém ligado à tradição dos orixás. Certamente ele vai lhe contar muitos e muitos milagres revelados em sua fé. E vai confirmar também que são três iabás poderosas, as que regerão este ano. Não menospreze a força que elas detêm.

Nesta Feira de Santana, onde vivi parte da minha vida, nenhum político de respeito dava início a uma campanha eleitoral sem visitar os mais importantes babalorixás e ialorixás. Todos iam. Os da UDN, os do PSD e os dos partidos menores. Os da Arena, os do MDB e até os do Partido Comunista. Todos.

João Durval, porém, não se contentava com isso. Ele sempre acrescentava uma visita ao médico Newton Pinto, ex-prefeito de Jequié, ex-deputado estadual e quiromante famoso e respeitado. Dele, um incrédulo João ouviu, certa feita, após a leitura das linhas de sua mão: – Você vai ser prefeito de sua cidade. Foi. Anos depois, já crédulo, João ouviu: – Você vai ser governador. Também foi. Daí em diante, não entrava em campanha sem antes estender a mão à leitura do quiromante.

Mas, dizia eu, em Feira nenhum político se lançava na trilha das urnas sem visitar os grandes pais e mães de santo da cidade. Mãe Socorro, Helena do Bode e Tuca de Nanã, os mais procurados. Pediam-lhes apoio, rogavam-lhes que consultassem o Ifá no jogo de búzios para saber se tinham ou não chances de vitória e não se furtavam de fazer os despachos a Exu que lhes eram recomendados, para que este intercedesse favoravelmente junto aos demais orixás.

Conta-se – e eu vendo o peixe como o comprei, não venham me cobrar nomes, datas e outros detalhes, pois não me foram revelados – que certa feita, um candidato a prefeito, acompanhado do vice, procurou um desses sacerdotes do culto dos orixás. Bem recebidos, ouviram que tinham chances de serem eleitos, mas era preciso fazer um despacho para Exu, de modo a garantir a vitória.

O pai de santo deu-lhes a lista do material necessário e explicou: o despacho deveria ser colocado em uma encruzilhada à meia–noite, pelos dois, o candidato a prefeito e o candidato a vice. Mas com um detalhe importante: na hora de arriar o alguidar com o padê, ambos deveriam estar nus. Isso mesmo: completamente despidos.

Os dois se entreolharam, espantados. Estranharam, mas como não fazer? Para ganhar a prefeitura, valia qualquer sacrifício.

A “operação padê” começou com a identificação de o local onde colocar o despacho com chances mínimas de serem vistos. Já imaginou serem surpreendidos no ato. Como explicar? O local escolhido foi uma encruzilhada no bairro Jardim Cruzeiro, num trecho onde os postes de iluminação estavam com lâmpadas queimadas. A semiescuridão ajudaria, caso aparecesse alguém.

No dia aprazado, à meia-noite, uma velha kombi com as luzes apagadas parou na esquina. Aberta a porta, dois homens peladões desceram, arriaram o alguidar com o despacho, acenderam duas velas às pressas e voltaram rapidamente para o veículo, que partiu em disparada. A operação foi um sucesso.

Ah, os candidatos perderam a eleição. Homens de pouca fé, certamente.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

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