O samba da Bahia resiste, embora alguns achem que ele devia acabar

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José Carlos Teixeira*

 

“Vamos acabar com o samba
Madame não gosta que ninguém sambe
Vive dizendo que samba é vexame”

(Pra que discutir com madame, samba

de Haroldo Barbosa e Janet de Almeida)

 

Ah, Caymmi, meu saudoso Dorival, diz pra Adalgisa que hoje só uma parte da Bahia tá viva ainda lá. Uma parte, com a graça de Deus, ainda tá lá. E rendamos muitas graças a Ele por isso, pois podia ser pior. Amém! Outra parte, porém, vem morrendo a cada dia, aos pouquinhos.

Não se trata de morte morrida, Dorival, mas de morte matada. Não por vontade dos santos e dos orixás. Afinal, aqui é a Bahia de São Salvador. A terra do Nosso Senhor do Bonfim, “que ajuda o baiano a viver, pra cantar, pra sambar pra valer, pra morrer de alegria”, como reza o canto de Gilberto Gil, seu discípulo e afilhado ilustre,

Estamos perdendo parte da Bahia, meu caro Dorival, eterno obá de Xangô, pelo crescente descaso de alguns dos homens que detêm o poder de mando nessa terra. Diz pra Adalgiza que de uns tempos pra cá os que mandam estão pouco ligando para a celebração, o culto, a preservação de alguns dos elementos constitutivos da baianidade que você, cantor das graças da Bahia, nunca deixou de louvar em suas canções.

Não é uma queixa, meu terno Caymmi, pois, como sabemos, há casos que queixas pouco ou nada resolvem. É só uma constatação. Veja o caso da Noite do Samba, aquele evento criado pelos sambistas baianos para celebrar e lembrar que o samba nasceu na Bahia e que nenhum gênero musical nos representa tanto.

Este ano, a festa completa cinquenta anos. A primeira, denominada “Noite do Samba e Dendê”, foi realizada no antigo Campo da Graça em 1972 e teve como atração principal Gilberto Gil, que havia retornado do exílio em Londres, para onde fora tangido pelo regime militar. Também no palco, a nata do samba baiano: os bambas Batatinha, Riachão, Ederaldo Gentil, Edil Pacheco, Walmir Lima, Panela, Tião Motorista e Nelson Rufino.

O cinquentenário da festa, no entanto, ficará sem celebração na magnitude que a data redonda merece – afinal, cinquenta anos não são cinco dias. Faltou apoio, queixam-se os organizadores. Ou seja, negaram aos sambistas da Bahia os parcos recursos para custear a montagem do palco, o som, a iluminação e umas poucas despesas de organização da festa,             que sempre foi realizada em praça pública, para alegria do povo baiano.

Veja bem, Dorival, filho amado de Xangô que hoje mora no Orum, não era dinheiro para pagar cachês, pois isso nunca existiu. Em todos esses anos, os cantores e músicos que se apresentaram na Noite do Samba não receberam cachês. Nem mesmo os famosos vindos de fora como Chico Buarque, Beth Carvalho, João Nogueira, Paulinho da Viola, Lecy Brandão, João Bosco, Jair Rodrigues, Ivan Lins, Alcione, Benito de Paula, Francis Hime, Elza Soares e muitos outros. No máximo, se pagavam as despesas de hospedagem, o que, convenhamos, é obrigação de anfitrião.

A questão é que a Noite do Samba – que por força de lei municipal deve marcar o início oficial do ciclo de festas populares da Cidade do Salvador – não é um evento qualquer. Trata-se do único palco em Salvador onde dezenas de sambistas baianos podem se apresentar para um público maior, muitas vezes maior, que o das costumeiras rodas de samba por eles animadas no restante do ano. Estamos falando de artistas como Guiga de Ogum, Verônica Dumar, Jorginho Comancheiro, Muniz do Garcia, Roque Bentenquê, Neto Bala e muitos outros que têm nessa noite a oportunidade de mostrar sua arte para um grande público.

Negar-lhes essa oportunidade é contribuir para jogar no esquecimento uma parte da cultura baiana, representada pela criação de dezenas de modestos compositores, cantores, cantoras e músicos ligados ao mais genuíno e importante gênero musical brasileiro. Triste, mas é verdade, Caymmi amado.

***

Em tempo: Pra que discutir com madame? Mesmo sem apoio, a data não passará batida: os sambistas vão se reunir na sexta-feira, 2, logo após o jogo da Seleção Brasileira, na Cantina da Lua, no Terreiro de Jesus, Centro Histórico de Salvador, para comemorar o Dia do Samba. Todos estão convidados. Viva o samba!

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

 

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