Ogum vai reger 2023, mas a presença de Exu vai nos exigir cuidados redobrados

WhatsApp Image 2022-03-15 at 02.09.29

José Carlos Teixeira*

 

“Ogum é quem sabe

Não há mal que acabe

Pra quem não é lutador”
(
Ogum é quem sabe, de Dori

Caymmi e Paulo César Pinheiro)

 

Nas últimas horas do último dia do ano, os pais do segredo – como são também chamados os babalaôs, os sacerdotes do candomblé – de um dos mais antigos e conceituados terreiros de Salvador, recorreram ao Ifá, o oráculo que revela o passado e o futuro, para saber qual dos orixás regerá 2023. Nesse ritual, o sacerdote usa o apelê ifá, uma espécie de colar aberto feito com certo tipo de noz. Ele joga o apelê ifá e a posição em que caem as diversas peças do colar revela a resposta dos orixás à consulta feita.

A consulta ao Ifá revelou que este novo ano será regido por Ogum (Ogunhê, meu pai!), o senhor das demandas, orixá guerreiro, deus do ferro e da guerra, o dono das estradas, que abre os caminhos com sua espada e costuma andar ao lado de seu irmão Exu, o mensageiro.

No sincretismo religioso afro-baiano, Ogum é sincretizado com Santo Antônio – no Rio de Janeiro, o sincretismo é com São Jorge, que por sua vez é sincretizado com Oxóssi pelos baianos. A identificação de Ogum com Santo Antônio ganhou força nas lutas pela independência da Bahia, há exatos 200 anos. Corria entre os combatentes a narrativa de um episódio envolvendo um guerreiro trajando hábito de frade, blindado contra as balas dos inimigos, que sozinho teria repelido as tropas portuguesas em uma das escaramuças. Para os brasileiros católicos, o guerreiro desconhecido e invulnerável era Santo Antônio. Já para os integrantes dos vários batalhões de negros escravizados que enfrentaram os portugueses não havia dúvida: era Ogum a lhes proteger.

Com o país dividido em razão do resultado das eleições presidenciais, já se sabia que 2023 será um ano difícil para o Brasil e para os brasileiros. A união nacional, defendida pelo novo presidente da República em um dos discursos que proferiu no dia da posse, por enquanto é apenas um desejo do recém-empossado chefe do governo, não necessariamente compartilhado por muitos dos seus pares – e muito menos pelos que a ele se opõem.

Não será fácil, portanto, a vida do país no campo político – com todos os reflexos que isso trará aos brasileiros de modo geral. Ter Ogum como orixá a reger este ano é muito bom. Ogum ouve a todos e atende a todos. Mas que não se tente enganá-lo, pois ele nunca abre mão da Justiça – e isso é ainda melhor.

Só que o jogo do Ifá revelou ainda que, embora regido por Ogum, o ano de 2023 será marcado também pela presença constante e forte de Exu, o irmão mais velho do senhor das demandas. Nada a estranhar: os dois irmãos costumam andar juntos. Mas não custa aumentar os cuidados. Como se sabe, Exu é brincalhão e adora uma balbúrdia, uma trapalhada, uma intriga. Mas no fundo é gente boa, apesar de alguns ainda insistirem em satanizá-lo, alimentando uma fake news criada pela Igreja Católica lá pelo século XVI e hoje sustentada sobretudo por grupos neopentecostais.

Dito isso, vamos ao que interessa: regido por Ogum e com vários tipos de Exu à sua volta, 2023 vai exigir de todos nós, crentes ou não, cuidados redobrados. Cuidados ao fazer, cuidados ao ouvir, cuidados ao falar e – valha-me Oxalá, Êpa Babá! – cuidados ao escrever. Isso enquanto se torce para que, ao final, tudo dê certo. E vai dar!

Em tempo: A regência de Ogum sobre 2023 foi revelada em um terreiro da nação ketu, cujos filhos de santo foram orientados a cumprir obrigações para com este orixá durante todo o ano. Nada impede, porém, que o resultado da consulta seja outro em nações diferentes e até mesmo em casas de uma mesma nação, em atendimento a características e peculiaridades de cada uma. No candomblé, ninguém é dono da verdade – ao contrário dos políticos, que dela costumam se apossar, quando isso atende aos interesses deles. Mas isso é outra conversa.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.

 

Outras Notícias