Operação Faroeste: “Não se pode combater a corrupção e a criminalidade sendo corporativista”, critica advogado de réus

IMG-20200915-WA0013

A “Operação Faroeste”, desencadeada pela Procuradoria Geral da República (PGR), é o tema da entrevista com o advogado Pedro Henrique Amaral Duarte. A investigação apura denúncia de venda de sentenças judicias na Bahia, com envolvimento de desembargadores, juízes, serventuários e advogados. Durante a entrevista ao site Olá Bahia, Pedro Duarte falou sobre a deleção premiada, vazamento de informação, ameaças, além de uma análise sobre o futuro do Poder Judiciário na Bahia. Pedro Duarte defende dois réus presos na operação.

Olá Bahia: O que é a “Operação Faroeste” e a importância dela nesse momento em que o país se esforça para passar a limpo às suas instituições?

Pedro Duarte: A Operação Faroeste é uma ação coordenada pela Procuradoria Geral da República (PGR), que visa identificar denúncia de grilagem de terra no Oeste baiano e, por conta de alguns investigados terem foro privilegiado, há deslocamento da competência para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, por consequente, de atribuição para a PGR. É um esquema que está sendo investigado desde o ano de 2013, vindo à à tona fatos vinculados ao Poder Judiciário. É uma operação ampla e que desencadeou uma série de investigações paralelas, apontando o envolvimento de muitas pessoas em nosso estado.

Olá Bahia: No decorrer das investigações, a operação identificou o envolvimento de membros do Poder Judiciário, a exemplo de juízes e desembargadores. Qual o grau de corrupção entre esses investigados?

Pedro Duarte: O problema da corrupção no Judiciário Baiano é algo que já existe há muito tempo. Na realidade, é um caso de corrupção endêmica e continuada. A Operação Faroeste é apenas mais dos casos de corrupção. Vale ressaltar, que todo órgão tem em seus quadros pessoas sérias, compromissadas, mas a corrupção sempre existiu em todas as esferas, seja na política, na esfera judicial ou até mesmo na vida cotidiana. No que tange ao Tribunal de Justiça da Bahia a situação é muito mais ampla do que se imagina. Envolve diversos operadores, membros do Judiciário, políticos, advogados, além de familiares de juízes e desembargadores. Existe um “esquema” muito mais complexo nos Tribunais Regionais Eleitorais, mas graças a Deus, por enquanto, não há qualquer fato relacionado ao TRE da Bahia. Mas o que nos causa mais espécie, é o fato de, ao invés de buscar combater a corrupção, como instrumento de legalidade, de amplitude e legitimidade do Judiciário, o corporativismo vem sendo utilizado para combater instrumentos de defesa, sobretudo, o de colaboração premiada.

Olá Bahia: O senhor defende os interesses de dois investigados na operação. Como o senhor define a colaboração premiada como instrumento de defesa?

Pedro Duarte: A colaboração premiada é mais um método de defesa, trazido pela Lei 12.850/2013, que trata de organização criminosa. No fundo, esse instrumento já existia no ordenamento jurídico brasileiro, a exemplo da confissão, das reduções de pena; em alguns crimes havia possibilidade de suspensão condicional do processo. O modelo de colaboração premiada, na realidade, veio fortalecer a condição de o partícipe de qualquer evento criminoso, para que ele possa contribuir com a Justiça. Assim, ao invés de se apurar apenas e tão somente o fato a ele atribuído, essa investigação é ampliada, com informações do colaborador, possibilitando que seja desmontado/investigado um esquema muito maior.

Olá Bahia: Muito se ouve falar em vazamento seletivo de informações, fake news relacionada a Operação Faroeste. Isso prejudica as investigações?

Pedro Duarte: É muito ruim para nós, sobretudo baianos, assistir o vazamento de informações, fake news e uma série de atos que vêm sendo perpetrados nos últimos dias, a exemplo de combate a figura do delator e do próprio advogado, ameaças veladas e diretas, enfim, coações no curso do processo. No fundo, o que temos é um desvirtuamento. Enquanto as corporações deveriam se aliar aos órgãos investigativos e lutar pelo combate a corrupção, muitas delas estão defendendo supostos corruptos em prol desqualificar o instituto da delação premiada que é legal.

Olá Bahia: O senhor defende, como já disse, dois clientes investigados na Operação Faoroeste. Como o senhor avalia o vazamento de informações ligadas a seus clientes?

Pedro Duarte: Tenho dois clientes investigados nessa operação. Trato exclusivamente da defesa deles desde o início como único advogado, mas venho sendo surpreendido ultimamente pelo vazamento de informações, publivação de fake News, inclusive com o aparecimento de um documento com a imagem de uma assinatura minha. O que temos observado é que esse tipo de investida tem partido de um movimento corporativista, com ofensa direta à figura do colaborador e também do advogado. Tenho sido vítima de ameaças, ofensas e uma série de outras coisas, mas não me intimidarei.

Olá Bahia: O senhor falou que vem sofrendo ameaças. Seria em função da colaboração de seus clientes na investigação?

Pedro Duarte: Venho conduzindo o processo de defesa deles, mas por conta de sigilo processual, não tenho autorização legal para me manifestar sobre isso. O que posso dizer é que advogo para dois investigados, que acompanho eles exclusivamente e sem a companhia de qualquer outro advogado. Tanto eles quanto eu estamos sofrendo retaliações, sofrendo ameaças, com a participação de corporações atuando nitidamente com desvio de finalidade, até mesmo praticando crime de obstrução à Justiça. É bom que fique claro que todo esse vazamento de informação não retrata o que temos de defesa dos meus dois assistidos dentro do processo.

Olá Bahia: Então, a quem interesse esse vazamento de informação apontado pelo senhor?

Pedro Duarte: Ele interessa a quem tem buscado ofender, denegrir os fatos e o instituto da colaboração, além da figura de eventuais colaboradores. Meus dois clientes, inclusive isso está muito bem documentado, vêm sofrendo essa coação no curso do processo, além de efetiva pressão seja psicológica, seja através ameaça direta, velada ou mesmo física. É bom que fique claro, que é dever do Estado garantir e zelar pela segurança de todo e qualquer preso encarcerado no sistema prisional. Nesse caso, como também estou sendo ameaçado, numa lógica, também é dever do Estado essa mesma proteção. Mas quero registrar a minha total indignação ao vazamento de informações, à publicação de fake news, o que tem deixado muita gente em polvorosa, especialmente, àquelas que cometeram crimes. Esses fatos têm ensejado uma defesa mediante o corporativismo de algumas instituições, que têm atuado na prática de outros crimes, na tentativa de obstruir o trabalho da Justiça.

Olá Bahia: O senhor afirma que instituições estariam atuando na contramão das investigações. Quais seriam essas instituições?

Pedro Duarte: No momento eu não posso falar, até porque isso está em curso de investigação lá em cima [PGR], correndo em segredo de Justiça. O que posso afirmar é que temos elementos e fatos que já foram apresentados. Para você ter uma ideia, entre os meses de maio e setembro, minha conta de e-mail já foi invadida pelo menos quatro vezes, em formatos diferentes. Essas invasões no meu e-mail estão sendo alvo de investigação, mas o mais grave nisso tudo é o fato de ameaças pessoais sofridas pelos meus clientes em alguns momentos.

Olá Bahia: A partir da Operação Faroeste, com o envolvimento de membros do mais alto escalão do Poder Judiciário, como o senhor observa o futuro da Justiça baiana?

Pedro Duarte: Tenho ouvido muito que essa Operação Faroeste vai deixar um modelo de terra arrasada na Bahia. Mas vejo com precipitação esse tipo convicção. Talvez, por conta da atuação apenas na defesa de meus clientes, eu tenha uma visão um pouco menor a respeito da amplitude dessa operação. Mas uma coisa é fato: o que causa realmente espécie nessa operação é que parcela do Judiciário esteja agindo de uma forma totalmente incoerente, por conta de um corporativismo exacerbado realizando uma defesa de interesses não republicanos. Por conta disso, ao invés de se associar às entidades e organizações que atuam legitimamente no combate a corrupção, vêm buscando denegrir essa atuação, inviabilizar algumas ações, chegando ao ponto de, como já disse, praticar crime de obstrução a Justiça. Isso pra mim é o mais grave! É preciso reconhecer que existem juízes e desembargadores sérios, a maior parte deles inclusive, assim como existem promotores e advogados comprometidos. Mas a gente sabe que também existe a exceção. É preciso combater a corrupção com um olhar mais amplo e isso tem sido feito com muita maestria pelo Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual.

Olá Bahia: Como o senhor avalia a participação dessas instituições, a exemplo da PRG, MP, Poder Judiciário e até mesmo a OAB, no caso da Operação Faroeste?

Pedro Duarte: O combate a corrupção é o que deve ser buscado por essas instituições. Elas não devem em qualquer hipótese ou em sem qualquer fundamentação defender interesses adjetivos, de pessoas, sejam elas advogados, juízes, serventuários, etc. Essa semana (semana passada), por exemplo, fomos surpreendidos com a notícia da prisão de dois advogados e um serventuário da Justiça. É um caso grave pelo que foi noticiado. A instituição deve agir exatamente dessa forma, tem que lutar por teses, mas não pelo corporativismo, numa nítida inversão de valores. Exemplo disso ocorre quando um colaborador é tido como vilão porque, em sua colaboração, ele trouxe à tona a participação efetiva de companheiros de classe ou de outras instituições na prática de crimes.

Olá Bahia: A PGR conduz a Operação Faroeste. Como senhor avalia a atuação dos procuradores?

Pedro Duarte: A PGR não apenas nesse procedimento, mas em diversos outros, inclusive outros bem mais complexos, tem atuando com uma transparência muito grande, em um combate veemente à corrupção e ao corporativismo. Não se pode combater a corrupção e a criminalidade sendo corporativista, muito menos passando por cima de direitos e garantias fundamentais sob a justificativa vulgar e comum de que se deve defender pessoas. A OAB, por exemplo não deve defender o advogado ou advogada. Ela deve defender a advocacia, como por sinal vem fazendo de forma intransigente. Se há advogados corruptos dentro da instituição, devem ser responsabilizados por seus atos criminalmente e civilmente. O mesmo deve acontecer com as instituições de magistrados, promotores e servidores. Essas entidades deveriam ter essa conduta, mas na prática não é o que assistimos na Bahia.

Outras Notícias