Quem manda no Subúrbio Ferroviário ou a luta do povo para sepultar seus mortos

teixeira foto nova

José Carlos Teixeira*

“Contra ti já se erguem as cidades irritadas,

cujos altares estão poluídos pelas exalações

dos cadáveres que não receberam sepultura

 a não ser das aves e dos cães.”

(Antígona, de Sófocles)

 

Em Antígona, uma das mais conhecidas tragédias de Sófocles (497 – 406 a. C), que trata do permanente choque entre tradição religiosa e poder temporal, os irmãos Polínice e Etéocles se matam, na disputa pelo trono deixado pelo pai – o rei Édipo, aquele que havia furado os próprios olhos após saber que, sem conhecê-los, havia matado o pai e se casado com a própria mãe.

Creonte, tio dos dois irmãos, assume o trono e em seu primeiro ato determina que Etéocles receba todas as honrarias fúnebres tradicionais, mas proíbe o sepultamento de Polínice, ordenando que o cadáver ficasse exposto aos animais, e ainda estabelece a pena de morte para quem o desobedecesse.

Antígona, outra filha de Édipo, desobedece as ordens do tio e sepulta o irmão, mesmo sabendo que pagaria a rebeldia com a própria vida. Alega que a ordem do rei era arbitrária, por não respeitar as leis naturais mais antigas, que estabeleciam que todo homem tinha direito a um sepultamento digno, conforme preceituavam os deuses.

Daí em diante, a tragédia avoluma-se: condenada e sepultada viva em uma caverna por desobedecer a ordem do rei, Antígona suicida-se. Inconformado, Hémon, noivo dela e filho de Creonte, também se mata. A mulher de Creonte, ao saber da morte do filho, também tira a própria vida.

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Séculos e séculos depois, moradores do Subúrbio Ferroviário de Salvador se vêm obrigados a também lutar pelo pleno direito de sepultar seus mortos e chorar suas dores livremente.

Há algumas semanas, conforme conta o jornal Correio, em sua edição de ontem, 30, os sepultamentos no Cemitério Municipal de Periperi só podem ser realizados pela manhã. Caso não o sejam, o enterro fica para a manhã do dia seguinte.

É que, à tarde, os traficantes do Bonde do Maluco, a facção que manda na área (como atesta a sigla BDM pichada em diversos imóveis da região para sinalizar o domínio), usam o local para suas atividades.

Ao jornal, as polícias militar e civil disseram que a informação é improcedente e que não há registros desse tipo de ocorrência. A Guarda Municipal também não confirma, mas rotineiramente desloca uma guarnição para dar proteção aos agentes de limpeza encarregados dos serviços de manutenção do cemitério.

Fato é que, no cemitério de Periperi, pelo sim, pelo não, há várias semanas só ocorrem sepultamentos no turno da manhã. À tarde, os moradores dele guardam distância.

Ou seja, agrava-se cada vez mais o quadro de insegurança na capital baiana.

Agora, para além de perderem parentes e amigos, vitimados pela violência crescente, os baianos que moram no Subúrbio Ferroviário padecem também para sepultar seus mortos.

Nada podem fazer. Mesmo inconformados, seguem as ordens do BDM, pois ninguém quer o destino de Antígona.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

 

 

 

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