Renúncia de candidato era fake news produzida pelos adversários

foto texeira nova

José Carlos Teixeira*

 

“Nunca se mente tanto como antes das eleições,

durante uma guerra e depois de uma caçada.”

(Otto von Bismarck, estadista alemão)

Com o comércio fechado, as aulas suspensas e sem expediente nas repartições públicas, o feriado de 15 de novembro de 1972 em Feira de Santana poderia ter amanhecido com cara de preguiçoso domingo. Mas o que se viu desde cedo foi um vaivém de pessoas apressadas e veículos cheios levando gente de um lado para o outro. Era dia de eleição.

Os 59.446 eleitores da cidade iriam eleger o novo prefeito e os ocupantes das 15 cadeiras de vereador, dentre os candidatos de apenas dois partidos. É que anos antes, em 1965, o regime militar havia decretado a extinção dos 13 partidos então existentes e autorizara a criação e o funcionamento de apenas dois: a Arena, de apoio ao governo, e o MDB, de oposição.

Só que, naquela eleição, embora com apenas dois partidos, havia três candidatos a prefeito, graças ao instituto da sublegenda, criado pelo regime, claramente com o objetivo de beneficiar a Arena. Por ele, uma legenda podia apresentar mais de um candidato. Ao final, somavam-se os votos dados a eles e o total era atribuído ao candidato mais votado.

O candidato natural da Arena era o ex-prefeito João Durval, que governara a cidade de 1967 a 1970. Mas de última hora o cartola Alberto Oliveira, o Beto de Aurinho, presidente do Fluminense de Feira, campeão baiano de 1969, apresentou sua candidatura. Deu zebra: Beto ganhou a convenção, para espanto de todos, e tornou-se o candidato da legenda, a Arena 1. Coube a Durval disputar pela sublegenda, a Arena 2. Os dois enfrentaram o emedebista José Falcão, que obteve 20.413 votos e ganhou a disputa com 329 votos a mais que a soma dos conferidos a Durval (18.671) e a Beto (1.413).

Mas voltemos ao dia da eleição. Aquela quarta-feira amanheceu com parte das ruas da cidade, sobretudo nas imediações das seções eleitorais, cobertas por pedaços de papel de várias cores, impressos em tinta preta em um dos lados. Não, gentil leitora, amável leitor, não eram santinhos de candidatos atirados para o ar, como ocorre atualmente, sobretudo depois que a chamada boca de urna, mesmo proibida, foi profissionalizada e o dinheiro farto das campanhas fez as impressoras das gráficas rodarem 24 por dia nas semanas que antecedem a eleição.

Os panfletos que cobriam as ruas de Feira traziam impressa uma mensagem que, levada a sério, seria capaz de definir a eleição. Era mais ou menos assim: “Eu, Zé Falcão, declaro que não sou mais candidato a prefeito e que apoio a candidatura de João Durval”.

A mentira era de tal tamanho e encerrava tão grande potencial de influenciar a eleição em desfavor da candidatura de Zé Falcão que o juiz eleitoral local autorizou a circulação de carros de som pela cidade dizendo que sim, o emedebista continuava candidato e que a mensagem impressa nos folhetos era deslavada mentira.

Não foi possível auferir o tamanho da interferência que o engodo causou no resultado eleitoral – até porque, pelo menos desde 1962, quando João Durval perdeu a disputa para Francisco Pinto por apenas 43 votos, as eleições em Feira eram bastante disputadas e aquela, em 1972, se manteve dentro do padrão. Mas é certo que influiu.

Como se vê, o uso da mentira como arma de disputa política não é novidade. Vejamos outro exemplo, dessa vez com dimensão nacional. Em 1945, o brigadeiro Eduardo Gomes teve sua candidatura a presidente da República abatida em pleno voo por uma mentira. Apoiadores do general Eurico Dutra, o candidato adversário, espalharam que Eduardo dissera em um discurso que não precisava dos votos dos operários, dos marmiteiros. Na batida vieram falsas acusações de que o candidato era igualmente contra os negros, os protestantes, os espíritas etc. A mentira, propagada largamente, inclusive em emissoras de rádio, que era uma mídia poderosa na época, destroçou a candidatura do brigadeiro, que vinha sendo apontado como favorito na disputa e acabou perdendo a eleição.

Nos últimos anos, a mentira – agora popularizada pela expressão inglesa fake news – passou a ser utilizada massivamente como arma de disputa política, ideológica e eleitoral, graças à internet e aos aplicativos de telefone. Teve largo uso em 2016, na eleição do presidente Donald Trump, nos Estados Unidos, e na disputa presidencial de 2018 no Brasil foi utilizada amplamente, inclusive pelos partidários do candidato vencedor, Jair Bolsonaro.

A previsão dos especialistas – e das próprias autoridades do Tribunal Superior Eleitoral – é que seu uso será ampliado ainda mais na campanha eleitoral que se avizinha, caso não sejam criados mecanismos eficientes de controle e de punição aos infratores.

O que se vê nessa fase de pré-campanha, porém, é sintomático de que não será fácil. Na semana passada, por exemplo, tão logo a imprensa anunciou a substituição de Jaques Wagner por Otto Alencar como candidato a governador na chapa governista, começou a circular, em grupos de WhatsApp um vídeo. Nele, Otto diz não precisar dos votos dos policiais e dos professores. Claramente fake news. Candidato algum diria isso. Só se estivesse buscando a derrota. O que não é o caso.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

 

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