Rio, São Paulo, Minas ou Bahia: para onde levar a capital federal?

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José Carlos Teixeira*

“Se teu amor foi hipocrisia

Adeus, Brasília

Vou morrer de saudade”

(Te amo, Brasília, de Alceu Valença)

 

Atribui-se ao Marquês de Pombal a ideia mais antiga que se conhece de transferir a capital federal para o interior do Brasil. Mais precisamente para o Planalto Central, ponto considerado estratégico para sediar o governo, afastado da vulnerabilidade do litoral e escolhido a partir de uma carta geográfica de Goiás elaborada por um cartógrafo italiano por ele contratado, em 1751.

Daí em diante, o assunto vira e mexe entrava na ordem do dia. Mas não ia adiante. Pouco mais de dois séculos depois, finalmente, em 19 de setembro de 1956, o então presidente Juscelino Kubitschek sancionou a Lei nº 2.874, que determinava a construção e o local onde seria a nova capital do Brasil. A mesma lei também criava a Novacap (Companhia de Urbanização da Nova Capital), que ficaria responsável pelas obras, iniciadas no mês seguinte.

A mudança da capital dividiu o país. Havia um grupo que defendia a mudança e outro que a condenava – e, é óbvio, havia ainda aquele dos que não eram contra nem favor, muito pelo contrário… A polêmica foi parar nas letras de dezenas de sambas, xotes, baiões e marchinhas de carnaval, como era costume na época.

Gravada em 1956, a marchinha Nova Capital, de Aldacir Louro, Sebastião Mota e Edgard Cavalcanti, na voz de Linda Batista, fez o maior sucesso no carnaval do ano seguinte:

“Dizem é voz corrente

Em Goiás será a nova Capital

Leve tudo pra lá seu presidente

Mas deixe aqui nosso carnaval.”

Contrário à mudança, o compositor Billy Blanco marcou seu protesto no bem humorado e irônico samba Não Vou Pra Brasília, gravado em 1957 pelo conjunto Os Cariocas:

“Não vou, não vou pra Brasília

Nem eu nem minha família

Mesmo que seja pra ficar cheio da grana

A vida não se compara

Mesmo difícil e tão cara

Eu caio duro, mas fico em Copacabana”

Já o samba Adeus, Mangueira, da dupla Herivelto Martins e Grande Otelo, gravado pelo Trio de Ouro para o carnaval de 1958, prometia atender ao apelo presidencial, mesmo lamentando a saudade:

“Juscelino me chamou…

Eu vou morrer de saudade

Mas vou!”

Para o mesmo carnaval, Jorge Veiga, o Caricaturista do Samba, gravou a marchinha Vamos pra Brasília, de Átila Bezerra, Sebastião Gomes e Valdir Ribeiro, que seguia na mesma linha favorável à transferência da capital:

“Está na hora, Emília

Vamos embora pra Brasília.

A Ideia não é má.

Nasceu com JK.

E vai ser um chuá”

No total, foram registradas mais de 70 composições pró e contra nesta batalha por Brasília, muitas delas incorporadas à trilha musical de filmes da época, como as chanchadas “Metido a bacana” e “É de Chuá”, além de páginas e página de jornais e tantos e tantos discursos dos políticos.

Construída a toque de caixa, por trabalhadores levados de todo o Brasil, a nova capital federal foi inaugurada oficialmente no dia 21 de abril de 1960. Era o fim da batalha.

Daí para cá, ninguém mais voltou a questionar a construção da nova capital, reconhecida pela Unesco como patrimônio cultural da humanidade desde dezembro de 1987 e considerada um símbolo da modernidade ambicionada pelo país. Todo mundo se conformou com a mudança da capital.

Quer dizer, todo mundo, não. No início deste mês, em discurso na cidade de Itaberaba, no interior da Bahia, distante 1.180 quilômetros da Capital Federal, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, chamou Brasília de “Ilha da Fantasia” que faz “muito mal ao Brasil”.

Não contente, relatou durante o discurso uma reunião ocorrida na véspera, quando disse aos participantes que teria sido melhor manter a sede dos Poderes da República no Rio de Janeiro, ou levar para São Paulo, Minas Gerais ou mesmo de volta para a Bahia, para que as pessoas se deparassem com a fome, a miséria e o desemprego antes de entrar na Câmara e no Senado.

Bom, se essa é a questão, tal raciocínio bem que poderia ser aplicado à transferência do Gabinete do Governador, Assembleia Legislativa e Tribunal de Justiça para o Centro Administrativo da Bahia – um conjunto de prédios construídos a partir de 1972 para abrigar também as secretarias e demais órgãos estaduais e federais, distante 16 quilômetros do centro de Salvador.

Durante seus oito anos como governador, Rui Costa nunca se queixou do isolamento da sede do governo baiano. Pelo contrário, tratou de passar à iniciativa privada o Palácio Rio Branco, antiga sede do governo, que em breve abrigará um hotel de luxo, e o Palácio da Aclamação, antiga residência dos governadores, hoje transformado em cerimonial para casamentos e outros eventos sociais. Ambos localizados na área do centro antigo da cidade, zona que vai sendo gradativamente tomada por usuários de crack e onde é fácil se deparar com a fome, a miséria e o desemprego.

De todo modo, as declarações do petista Rui Costa provocaram, como era de se esperar, uma reação enorme, até mesmo dentro de seu próprio partido. A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) do Distrito Federal divulgou nota repudiando a fala ministerial e dizendo que ela “ofende” os antepassados de Brasília. Deputados distritais de Brasília pediram a Lula a demissão do ministro.

Aconselhado a se retratar, em face da crescente reação a suas declarações, Rui tentou um arremedo de desculpas. Pelo twitter, explicou que usou a expressão “ilha da fantasia” em tom de “desabafo”. E acrescentou: “Não fui feliz nas minhas palavras, o que permitiu que alguns transformassem a minha declaração em um ataque à cidade ou ao seu povo”.

Simplificando: os culpados foram os outros.

Então fica combinado assim!

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.

 

 

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