Rui vai a Cachoeira, mas governo ignora bicentenário do início das lutas pela independência

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José Carlos Teixeira*

“Um governo que não entende a

importância da memória cultural de

seu povo tampouco será lembrado”

(Dimitri Ganzelevitch, produtor cultural)

 

No último ano de seus dois mandatos, o governador Rui Costa resolveu fazer uma pequena concessão aos descendentes dos baianos que participaram das lutas pela Independência da Bahia: ele vai comparecer, neste sábado, às festividades em Cachoeira, no Recôncavo da Baía de Todos-os-Santos, quando mais uma vez a cidade se tornará a capital do Estado por um dia.

Nos outros sete anos, ele ignorou solenemente a cerimônia, ao contrário de seu antecessor, o carioca Jaques Wagner, que em 2007 sancionou a lei estadual aprovada pela Assembleia Legislativa que determina a transferência do governo para Cachoeira no dia 25 de junho. Aliás, Wagner não só nunca deixou de comparecer à solenidade, como também fazia questão de ser acompanhado por seu secretariado.

Rui, porém, sempre optou por mandar um representante à cerimônia em Cachoeira, marco inicial das lutas pela Independência na Bahia. Isso

muito embora tenha nascido na Liberdade, bairro de Salvador que leva esse nome porque foi por ali, pela antiga Estrada das Boiadas (depois Estrada da Liberdade), que o Exército Libertador entrou na capital baiana, a 2 de julho de 1823, após derrotar e expulsar as tropas portuguesas, consolidando a independência em terras baianas.

Antes que a amável leitora ou o curioso leitor me perguntem o que levou o governador a mudar de comportamento, vou logo explicando: as eleições, que ocorrerão daqui a exatos 100 dias. Em campanha eleitoral intensa e declarada, Rui atualmente não perde nem mesmo batizado de boneca, sempre levando seu candidato debaixo do braço.

Tanto que nenhuma atividade comemorativa do bicentenário do início das lutas pela Independência da Bahia chegou a ser programada pelos órgãos do governo estadual ligados à memória e à cultura. E até mesmo a Biblioteca Virtual Consuelo Pondé, mantida pela Fundação Pedro Calmon e especializada na História da Bahia – portanto, detentora de precioso acervo sobre o tema –, segue inacessível há vários meses, por problemas técnicos ou incúria.

Mas, deixemos isso de lado. Convém relembrar o 25 de junho de 1822:

Após aclamarem em praça pública o príncipe Dom Pedro de Alcântara como regente e defensor perpétuo do Brasil”, vereadores da Câmara de Cachoeira, autoridades, comerciantes, proprietários de terras e populares, muitos vindos de vilas vizinhas, lotavam a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, onde se celebrava um te-déum em ação de graças, quando o primeiro tiro de canhão ribombou, atingindo uma casa.

Era a retaliação. Fundeada no Rio Paraguaçu, em frente ao porto de Cachoeira, para impedir a entrada e saída de embarcações, uma escuna militar enviada pelo brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo, comandante das tropas portuguesas na Bahia, passou a disparar seus canhões contra a vila. Na sequência, alguns portugueses também começaram a atirar, das janelas de suas casas, nos brasileiros que passavam nas ruas.

Um velho canhão que servia de adorno a uma das praças do centro da vila, foi levado até a margem do rio, de onde se dispararam improvisados e pouco efetivos projéteis contra a escuna. Munidos de espingardas de caça, os brasileiros tentavam revidar o ataque da escuna e dos portugueses encastelados em suas casas. Davi enfrentava Golias.

O canhonaço durou três dias. No final da tarde do dia 28, uma bandeira branca apareceu na escuna, a esta altura desprovida de munição, cercada por uma flotilha de saveiros, canoas e pequenos barcos de pesca e sem poder se deslocar com facilidade devido à maré baixa. Presos, o capitão e 26 marujos portugueses foram levados para a cadeia de Inhambupe, vila distante 140 quilômetros, no Sertão.

A escaramuça ganhou ares de batalha importante e transformou-se no marco inicial das lutas pela Independência, que duraram um ano e cinco meses, mobilizaram mais de 16 mil pessoas só no lado brasileiro, e deixaram centenas de mortos.

Na madrugada do dia 2 de julho de 1823, os portugueses, após sucessivas derrotas, impossibilitados de se abastecer de armamento e alimentos, partiram na surdina, abandonando Salvador. Horas depois, pela manhã, o Exército Libertador entrou na capital. Os combatentes – a maioria gente do campo, vaqueiros, agricultores, negros libertos e escravizados – foram recebidos com festas pelos moradores, com vivas e flores atiradas das janelas das casas.

O 2 de Julho tornou-se a data magna da Bahia. Todos os anos, milhares de baianos refazem, em alegre cortejo animado por bandas e fanfarras, o percurso entre a Lapinha e o Largo do Pelourinho, revivendo a entrada dos combatentes libertadores na Cidade do Salvador.

Em anos de eleição, como o atual, o cortejo do 2 de Julho se transforma em espaço privilegiado para os políticos medirem a popularidade e a recepção do eleitorado a suas candidaturas, por meio dos aplausos ou vaias que recebem ao longo de todo o percurso.

Este ano não será diferente. Os candidatos a governador lá estarão, acompanhados dos seus respectivos padrinhos e grandes cabos eleitorais, cercados por grupos de apoiadores, disputando para ver quem recebe mais beijos, abraços ou pedidos para fazer selfies. O governador Rui Costa certamente não faltará.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

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