Semiparlamentarismo ‘made in’ em Feira é terceiro turno da eleição municipal

teixeira foto nova

“O que será, que será?

Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas”

(O Que Será – À Flor da Terra, de Chico Buarque)

 

Deixemos de lado os excessos tipo vou-te-pegar-lá-fora e a constante troca de expressões nada elogiosas entre vereadores que nos últimos meses têm feito a Casa da Cidadania, como se autodenomina a Câmara Municipal de Feira de Santana, mais parecer um boteco de quinta categoria. Até mesmo porque essas coisas estão fora do campo da análise política e mais na área da educação doméstica, como se dizia antigamente, quando a gente aprendia em casa, desde cedo, com os próprios pais, a respeitar as pessoas e não sair distribuindo ofensas e vitupérios por aí.

Vamos nos ater à improvisada tentativa de implantação de um canhestro sistema semiparlamentarista no município, conduzida por um grupo de dez vereadores, todos eleitos sob o guarda-chuva – e com os benefícios dessa condição na cata de votos, obviamente – da base governista, da qual agora se proclamam independentes. Ou melhor: adversários.

Liderado pelo presidente da Casa – e contando, é claro, com o apoio dos três vereadores eleitos pela oposição – o grupo vem levando a Câmara Municipal a assumir um protagonismo cada vez mais elevado, especialmente nas questões orçamentárias, a pretexto de exercer sua constitucional função de fiscalizadora dos atos do Executivo Municipal.

O movimento começou timidamente, com os vereadores ditos independentes negando aprovação a algumas iniciativas do prefeito, na base do criar dificuldades, mas logo evoluiu para a contestação pura e simples de todo e qualquer ato do prefeito, independentemente do fato de ser ou não de interesse da população. E aí, o que era mera contestação, passou a ser um duro confronto entre Legislativo e Executivo.

Foi o que ocorreu, por exemplo, na apreciação do projeto de lei que instituiu o orçamento municipal para o ano corrente, cuja tramitação se arrastou por meses, com óbvios prejuízos para a administração. Só foi aprovado em março, quando o normal seria no final do ano que passou, para entrar em vigor no primeiro dia de janeiro.

Com o atraso na aprovação do orçamento, a capacidade de investimento da prefeitura ficou restrita durante um trimestre, o que determinou a paralisação de algumas obras ou a suspensão do início de outras que estavam planejadas para o período. E o mais grave: o orçamento aprovado sofreu tantas emendas que acabou desfigurado, comprometendo a execução de vários projetos e ações planejados pela gestão para este ano.

Em Brasília, animado com a farra do tal orçamento secreto, que destinou cerca de R$ 36 bilhões em emendas para os deputados da base governista entre 2020 e 2021, mais outros R$ 16 bilhões este ano, o Centrão vem gestando uma proposta de mudança do sistema presidencial puro para uma espécie de semipresidencialismo. O objetivo é claro: reduzir os poderes do presidente da República por meio de um sistema decisório com peso maior do Parlamento, sobretudo com relação às questões orçamentárias. Traduzindo: o Centrão quer o Congresso decidindo onde, quando e como o governo deve gastar o dinheiro dos impostos que pagamos.

Mas voltemos à Princesa do Sertão: esse semiparlamentarismo made in Feira, no entanto, nada tem a ver com o modelo de semipresidencialismo em gestação nos laboratórios do Centrão. É na verdade, uma espécie de terceiro turno da eleição municipal de 2020, vencida por Colbert Martins, do MDB, com apoio do ex-prefeito José Ronaldo.

A ideia que move o tal grupo independente de vereadores não é transformar o atual prefeito de Feira numa espécie de rainha da Inglaterra, que é chefe de estado, mas não governa. É simplesmente exacerbar o protagonismo da Câmara de modo a criar problemas para o prefeito. Se isso for bom ou ruim para os mais de 600 mil moradores da maior cidade do interior da Bahia, pouco importa. Desde que cause o enfraquecimento do prefeito na disputa pela hegemonia política local – com efeitos imediatos nas eleições de outubro próximo, naturalmente, entendeu, cara pálida?

Para tanto, montaram barricadas na Câmara, por onde só passa o que for de interesse do grupo. E se o recurso for insuficiente para enfraquecer politicamente o prefeito, não se descarta a medida extrema: esta semana, em discurso na tribuna, o presidente da Câmara, Fernando Torres, informou que já recebeu mais de dez pedidos de impeachment do prefeito Colbert Martins.

Como se sabe, a decisão de tirar os pedidos da gaveta e encaminhá-los à apreciação do plenário é da Presidência da Casa. Não se sabe se o discurso do presidente foi uma advertência ou uma ameaça. É esperar.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

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