Senhor do Bonfim e Santa Dulce dos Pobres, ajudem os meninos da Bahia

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José Carlos Teixeira*

“Eu tô aqui pra quê?

Será que é pra aprender?

Ou será que é pra aceitar,

me acomodar e obedecer?”

(Estudo errado, rap de

Gabriel, O Pensador)

 

O Colégio Estadual Vítor Soares fica no nº 3 da Rua Engenheiro Pimenta da Cunha, na Ribeira, bem na ponta da Península de Itapagipe, em Salvador. A pé, gasta-se pouco mais de 22 minutos de lá até a Colina Sagrada, a Mansão da Misericórdia de onde o Senhor do Bonfim distribui a graça divina da justiça e da concórdia.

Um pouco mais além, descendo a Avenida Dendezeiros do Bonfim, em uma caminhada de mais 15 minutos chega-se ao Memorial de Irmã Dulce, símbolo do legado de amor e caridade do Anjo Bom da Bahia.

Já a Secretaria da Educação do Estado da Bahia fica mais distante. Está 28 km além, na 5ª Avenida do Centro Administrativo, bem pertinho da Governadoria, o local de despachos do governador Rui Costa. Mas o distante, como veremos adiante, deve ser entendido aí mais pelo seu sentido figurado: reservado; frio; calado. Não se espante, amável leitora: é assim que tem agido aquela Secretaria.

A Santa Dulce dos Pobres e o Senhor do Bonfim – este identificado no sincretismo religioso afro-baiano com Oxalá, o maior dos orixás do candomblé (Êpa Babá!) – são santos poderosos. É a eles que o povo pobre da Bahia sempre recorre em busca de ajuda para superar as adversidades e vencer os desafios que a vida lhe impõe.

De certeza, foi a eles que estudantes e pais de alunos do Colégio Estadual Vítor Soares recorreram, rogando para que as aulas presenciais, suspensas desde 2020, voltem à normalidade – provavelmente após terem constatado a insensibilidade ou mesmo a falta de comprometimento da Secretaria de Educação do Estado para com o problema que vem se arrastando sem solução.

Interferência divina ou não, o fato é que na última semana auditores do Tribunal de Contas do Estado visitaram o colégio, em atendimento a uma manifestação registrada na ouvidoria do órgão, dando ciência da situação. Lá, eles verificaram que o problema decorre de obras na infraestrutura do prédio, iniciadas e inexplicavelmente não concluídas até agora, o que impede a frequência dos estudantes.

Os auditores participaram de uma reunião com professores, estudantes, pais de alunos, diretores do colégio e representantes da Secretaria da Educação. Esclareceram a comunidade estudantil a respeito da missão do Tribunal de Contas, salientando a preocupação do órgão com o controle da coisa pública. Ouviram que a situação é grave e tem deixado os alunos frustrados e ansiosos.

O Tribunal de Contas do Estado decidiu instaurar um processo para analisar o processo de contratação da empresa de engenharia responsável pelas obras e verificar as planilhas dos serviços realizados e a documentação referente à liquidação da despesa, para identificar o que ocasionou a demora, bem como as providências tomadas ou não pela Secretaria da Educação para solucionar o problema.

Os mais apressados podem atribuir a problemas semelhantes o fato de a Bahia continuar ocupando as últimas posições no ranking nacional do Ideb, o índice que mede a qualidade do ensino no país. Ledo engano, meu caro leitor. Esse é apenas um problema gerencial. Falta gestão. Mas há ainda as questões de ordem pedagógica, da qualidade do ensino propriamente dita.

Uma análise dos resultados do Ideb de 2015 revela, por exemplo, que apenas 4% dos alunos matriculados no 9º ano do ensino fundamental daquela unidade de ensino tiveram um aprendizado adequado em matemática e 41% tiveram pouquíssimo aprendizado. Em 2019, a situação melhorou, mas ainda assim, ficou em um patamar sofrível: apenas 11% apresentaram um aprendizado adequado e ficaram em condições de prosseguir nos estudos, enquanto 28% tiveram aprendizado insuficiente.

Como se vê, não se trata de ser mais ou menos embaixo o buraco. Uma análise criteriosa mostra que, na verdade, a má qualidade do ensino prestado pela rede estadual decorre de múltiplos buracos e tem uma grave consequência: o comprometimento do futuro de toda uma geração.

Que o Senhor do Bonfim e a Santa Dulce dos Pobres ajudem os meninos da Bahia!

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.

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