Tirar fotos demais pode prejudicar memória

Estudo sugere que tirar fotos pode prejudicar a capacidade de lembrar detalhes do acontecimento. Foto: Reprodução/BBC
Estudo sugere que tirar fotos pode prejudicar a capacidade de lembrar detalhes do acontecimento. Foto: Reprodução/BBC
Estudo sugere que tirar fotos pode prejudicar a capacidade de lembrar detalhes do acontecimento. Foto: Reprodução/BBC
Estudo sugere que tirar fotos pode prejudicar a capacidade de lembrar detalhes do acontecimento. Foto: Reprodução/BBC

Tentado a sacar o smartphone diante de um belo pôr do sol ou de um prato delicioso que acabou de chegar à mesa do restaurante?

É óbvio que queremos documentar nossas vidas e manter nossas lembranças acesas. Mas ante o uso generalizado de smartphones com câmeras fotográficas e de novos aparelhos como o Narrative Clip – capaz tirar fotos automaticamente a cada 30 segundos –, será que deveria haver um limite?

Uma pesquisa recente realizada pela psicóloga Linda Henkel, da Universidade Fairfield, nos Estados Unidos, indica que a resposta é “sim”. O trabalho sugere que tirar fotos pode de fato prejudicar a capacidade de lembrar detalhes do acontecimento, apesar – e por causa do – esforço de fotografar sem parar.

Durante o estudo, realizado no ano passado, estudantes foram levados a uma visita guiada a um museu e incumbidos de fotografar certas obras de arte – enquanto outras deveriam ser apenas observadas.

No dia seguinte, quando testados, eles conseguiam lembrar menos detalhes dos objetos que tinham fotografado. É o que Henkel chama de “efeito prejudicial de tirar fotos”.

‘Drive externo’

“Estamos tratando a câmera como uma espécie de drive externo de nossa memória”, afirma a psicóloga. “Temos a expectativa de que o aparelho vai se lembrar de coisas por nós e que assim não precisamos continuar a processar aquele objeto. Por isso não interagimos nem nos envolvemos com as coisas que nos ajudariam a lembrar dele.”

Henkel reconhece, no entanto, que enquanto podemos atrapalhar nossa memória a curto prazo, ter posse dessas fotos pode nos ajudar a lembrar de eventos no futuro.

Mais interessante ainda é o fato de que o prejuízo para a memória diminuiu quando os estudantes tiveram que dar um zoom em algum aspecto particular do objeto. Isso sugere que o esforço e a concentração envolvidos na tarefa ajuda o processamento da memória. Ou ainda que temos uma tendência maior a externalizar nossa memória quando a câmera capta uma cena mais ampla.

“Isso faz sentido porque as pesquisas científicas mostram que a dispersão da atenção é o maior inimigo da memória”, diz Henkel.

Retratos fazem parte da nossa rotina há séculos e praticamente todas as casas da Europa Ocidental e dos Estados Unidos já tinham câmeras décadas atrás. Mas a mudança do filme para a fotografia digital também alterou nossa motivação para tirar fotos e a maneira de usá-las.

Outros estudos confirmaram o que muitos de nós já suspeitávamos: que o papel fundamental da fotografia deixou de ser a comemoração de eventos especiais ou de momentos em família para ser uma maneira de nos comunicarmos com amigos, formar nossa própria identidade e alavancar as relações sociais.

Enquanto adultos mais velhos usam câmeras como ferramentas para a memória, as gerações mais jovens veem as fotos como um meio de comunicação.

“Muitas vezes as pessoas tiram fotos não para que elas sirvam como uma lembrança, mas para dizer como estão se sentindo no ‘aqui e agora’”, afirma Henkel. “Um bom exemplo é o Snapchat, em que os usuários tiram fotos para se comunicar, mais do que para se lembrar de momentos.”

Vida ao vivo

Nossa capacidade de documentar chegou a um novo patamar com o advento da SenseCam, da Microsoft, uma câmera automática com uma grande angular que pode ser “vestida”, e com o fato de haver cada vez mais pessoas fazendo “life logging”, uma espécie de transmissão ao vivo de suas atividades.

Concebida como uma espécie de “caixa-preta” humana e lançada pela primeira vez em 2003, a SenseCam pode tirar fotos passivamente quando percebe que uma pessoa está diante da câmera ou quando há uma grande mudança na luz. Ela também pode ser programada para tirar fotos automaticamente a cada 30 segundos.

Evangelos Niforatos, pesquisador da Universidade da Suíça Italiana, estuda como as novas tecnologias podem afetar nossa habilidade de formar memórias. Ele tem ativamente realizado life-logging nos últimos três anos.

Apesar de pesquisas terem mostrado que esse tipo de atividade pode ser bastante benéfica para pessoas que sofrem de graves distúrbios de memória e precisam ver suas próprias fotos periodicamente, Niforatos acredita que o maior obstáculo do life-logging para usuários comuns é descobrir como usar todas as informações recolhidas.

“Quando há uma experiência importante para documentar, os aparelhos de life-logging são bastante úteis. Mas para o dia a dia, eles ainda deixam a desejar”, afirma. “No entanto, estou otimista quanto à capacidade de fazê-los chegar o mais perto possível da memória em si – como uma prótese de memória que dá as pistas certas para ajudá-lo a se lembrar do que você quer.”

Niforatos e seus colegas estão desenvolvendo um estudo que vai relacionar monitores de batimentos cardíacos como o Fitbit a câmeras automáticas, para ver se mudanças no ritmo do coração podem indicar os melhores momentos para começar a tirar fotos.

Lembrança seletiva

Câmeras digitais podem não se a única coisa que mudou nossa relação com a fotografia. Graças às redes sociais, também transformamos a maneira como lembramos das experiências recordadas.

“Nossa memória é reconstrutiva. É possível que estejamos reconstruindo nossas memórias para alinhá-las mais com as fotos que tiramos, ou com as fotos que os outros tiram e nos mostram”, diz Kimberly Wade, professora de psicologia da Universidade de Warwick, que estuda falsas lembranças.

“Se alguém nos mostra uma foto que não tiramos de um evento onde estivemos, aquilo então se torna nossa lembrança”, explica.

Lembrar coisas de um ponto de vista externo pode ter suas desvantagens. Pesquisas mostram que quando você se recorda de algo a partir da perspectiva de outra pessoa, tem menos conexão emocional com a lembrança.

Da mesma maneira, apesar de fazermos uma curadoria das nossas memórias ao editar as fotos que tiramos, isso não é algo ruim.

“Muitos especialistas em falsas lembranças diriam que a imprecisão é uma boa coisa, por vários motivos”, diz Wade. “Se você muda sua posição política, por exemplo, pode voltar atrás e pensar que antes tinha ideias mais parecidas com as que tem hoje. Queremos acreditar que somos seres estáveis. Lembramos de nossos relacionamentos e de nós mesmos em uma luz mais favorável, mais parecida com o que queremos ser. Alguma distorção é positiva para nosso bem-estar.”

Então, com que frequência devemos tirar fotos? A menos que você seja um profissional, Henkel sugere limitar a quantidade de cliques e ser mais seletivo, para ter mais benefícios e menos prejuízos.

“Se você está de férias em um lugar bonito, tire algumas fotos, guarde a câmera e aproveite”, diz. “Depois, dê uma boa olhada nas imagens, organize-as, imprima-as e tome tempo para mostrá-las a outras pessoas ao vivo. São coisas como essas que ajudam a mantermos nossa memória viva.”

*BBC Brasil

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