Youtubers já são mais influentes do que jornalistas

Foto: Google
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O recente relatório Creators Connect: o poder dos YouTubers, produzido a partir de uma pesquisa do Google, revela um conjunto de dados que nos ajuda a compreender a dimensão dos desafios do jornalismo na era das redes sociais, sobretudo no que diz respeito à credibilidade profissional e à consequente relação de confiança do público na qualidade das informações veiculadas pela imprensa. Segundo a gigante de tecnologia, que estudou o comportamento dos brasileiros com acesso à Internet, veja quem são os agentes que mais influenciam a opinião das pessoas:

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A pesquisa revela que 76% dos brasileiros conectados à Internet conhecem o termo youtuber. E dentre eles, 77% acompanham pelo menos um canal. “No mundo dos vídeos online, os YouTubers estão no comando.” Como podemos observar no gráfico acima, entre as pessoas que consomem a plataforma, youtubers (20%) só perdem para familiares (43,1%) e amigos (34,8%) no ranking dos formadores de opinião, sendo mais influentes do que jornalistas (19,1%), influenciadores do Instagram (9,6%) e celebridades da televisão (6,8%). “Além de populares, os YouTubers influenciam bastante as decisões de quem está conectado”, comemora o relatório.

A fórmula do sucesso

Segundo o Creators Connect, o diferencial do YouTube em relação à televisão e às mídias tradicionais é o deslocamento entre o que o relatório chama de audiência transferida, quando os comunicadores falam a partir de um veículo que já controla as rotinas de atenção do público; e audiência construída, quando os próprios criadores desenvolvem seu público a partir do zero, fortalecendo gradualmente a sua influência através de um crescimento orgânico. Isso ocorre a medida em que uma comunidade crescente é estimulada a se identificar não só com o conteúdo, mas com as narrativas – ou, no jargão publicitário, com o storytelling fabulado pelo youtuber para atribuir à sua imagem uma marca de identidade e, acima de tudo, de autenticidade. A “fórmula do sucesso” dos youtubers, portanto, implica na intensificação dos vínculos afetivos entre seguidores e criador, de modo que a comunidade virtual que orbita em torno do astro evolui da “admiração” para uma sensação de “proximidade” e “identificação”. Daí a relação passional de muitos seguidores com seus ídolos. O próprio Google admite: “Os YouTubers são quase deuses no universo digital brasileiro”. Veja como um dos gráficos do relatório registra essa dinâmica:

A ligação entre o público e o seu youtuber predileto é tão intensa, explica o Creators Connect, que os seguidores se sentem particularmente envolvidos com as marcas que ele anuncia – seja através de merchandising direto, seja por meio de uma opinião aparentemente despretensiosa. Mais do que tolerar as propagandas, portanto, os fãs celebram o sucesso comercial dos seus ídolos e confiam nas informações, produtos e marcas que ele indica, graças aos vínculos afetivos e identitários que superam a noção tradicional de credibilidade.

Por tudo isso, para o bem e para o mal, youtubers estão se tornando os maiores comunicadores do mundo digital. A leitura atenta do relatório indica que parte desse sucesso também pode ser explicado como produto de um exercício intensivo dos criadores de conteúdo no campo da comunicação digital, resultado de uma competição brutal no cada vez mais instável mercado de atenção. “Ela é mais direta, imediata, próxima. Ela precisa prender a atenção logo de cara, para que ninguém feche a janela. E como os YouTubers costumam ser ‘gente como a gente’, eles também usam uma linguagem bastante íntima e emocional. Tudo isso colabora para criar um sentimento de identificação entre quem assiste e quem produz o canal.”

Muitos ainda enxergam o YouTube como um mero repositório de vídeos. O que é um equívoco. A plataforma se caracteriza como uma rede social stricto senso, que emprega algoritmos complexos para coletar e analisar dados pessoais, de modo a oferecer conteúdos meticulosamente ajustados aos desejos dos usuários. O resultado é conhecido: essa dinâmica estimula um consumo compulsivo de vídeos que se sucedem em uma sequência irresistível ao gosto do espectador. Além de não ser segredo, este é um objetivo deliberado de uma plataforma que lucra capturando a atenção dos usuários. “Atualmente, o YouTube é uma plataforma de destino. As pessoas entram para ver o que cada canal postou e o público passa cada vez mais tempo assistindo aos vídeos”, explica o relatório.

Não se sabe até que ponto o expressivo movimento de jornalistas que decidiram desenvolver os seus próprios projetos no YouTube pode contribuir para aprimorar a qualidade das informações que circulam na plataforma e recuperar parte da credibilidade dos jornalistas e da imprensa em geral. A partir de minha própria experiência com o meu canal de Educação, Comunicação e Ciências Humanas no YouTube, observo que compreender as linguagens e as estratégias dos youtubers não deixa de oferecer recursos valiosos para o jornalismo, para a comunicação digital e para a divulgação científica. Nas minhas palestras sobre as oportunidades, os desafios e as contradições da educação e da comunicação científica nas redes sociais, tenho discutido um conjunto de alternativas com universitários de diversas formações acadêmicas. Mas é preciso ficar claro que há muitas contradições, sobretudo no que diz respeito ao modelo de negócio do Google Adsense, que ao exigir um volume expressivo de visualizações para que o canal se torne rentável, acaba estimulando precisamente aqueles conteúdos sensacionalistas que chamam a atenção de um público amplo.

Fonte: Observatório da Imprensa

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