A lição vem da Roma Antiga: além de honesta, a mulher de César tem que parecer honesta

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José Carlos Teixeira*

“Refresque a memória e me preste atenção

Não sou eu quem repete essa história

É a história que adora uma repetição”

(Rebichada, de Chico Buarque,

Luis Bacalov e Sergio Bardotti)

 

A história todo mundo conhece, desde o século 62 a.C., quando o fato ocorreu. Pompeia, segunda esposa do imperador romano Júlio César, organizou uma festa só para mulheres. Publius, por ela apaixonado, disfarçou-se e entrou na casa clandestinamente, mas acabou descoberto e expulso. A notícia, é claro, virou assunto nas altas rodas de fofoca de Roma. Viralizou, como se diz hoje. Incomodado, César acabou se divorciando. E justificou:

– A mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita. À mulher de César não basta ser honesta, ela deve parecer honesta.

Mais de mil anos depois, o sentido da frase de César continua atualíssimo, sobretudo no campo da administração pública. Não basta que um governo seja honesto, é preciso que ele pareça ser o que realmente é. Para a opinião pública, o parecer muitas vezes chega a ser mais importante que o ser. Daí porque sobre os governos – e sobre os governantes também, é claro – não devem pairar suspeitas ou dúvidas de espécie alguma, sob pena de que eles acabem parecendo o que não são.

Não se trata de um mero jogo de palavras, atento leitor. Veja aquele ranking elaborado pela ONG Transparência Internacional sobre a corrupção em diferentes países do mundo. Nele não são apresentadas provas de corrompimento para embasar a lista, que leva em consideração tão somente a percepção da corrupção, cuja intensidade varia de acordo com o grau de transparência de cada país.

Esta semana, na Bahia, a honestidade da mulher de César foi mais uma vez lembrada. Foi assim: a Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa aprovou um convite ao chefe da Polícia, Marcelo Werner, para uma audiência. Na data aprazada, quarta passada, 22, o secretário não compareceu (como era convite, ele não era obrigado a comparecer) e muito menos os seis deputados da base governista que integram a comissão de nove membros.

Com os titulares ausentes, o presidente da comissão, deputado Pablo Roberto (PSDB), convocou três suplentes que estavam presentes (todos da oposição). Com isso, garantiu o quórum e aprovou um novo requerimento. Não mais convidando, mas convocando o secretário, que agora é obrigado a comparecer, em data à sua escolha nos próximos 30 dias.

O mundo caiu nas hostes governistas. Para reparar seu cochilo, o líder do governo na Casa, deputado Rosemberg Pinto (PT), já destituiu três integrantes da comissão, substituindo-os por deputados que integram a tropa de choque governista, gente que não arrega. Com isso, ele pretende, na próxima reunião da comissão, aprovar um terceiro requerimento, dessa vez desconvocando o secretário.

A alegação é de que a oposição quer apenas palanque e pretende usar a audiência com o secretário para criticar os maus resultados do governo na área da segurança pública. Mas, e daí? Desde que o mundo é mundo que oposição não governa. Oposição se opõe. Critica. Fiscaliza. E além do mais, a população não precisa que deputados algum lhe diga que a Bahia está cada vez mais insegura e com medo. Isso todo mundo sabe – só não sabe quem vive no mundo cor de rosa da propaganda governista.

Mas, além do fato de que criminalidade avança cada vez mais e da constatação de que a violência aumenta a cada dia, o que há nos porões da Secretaria da Segurança Pública que o governo tanto teme ver revelado em uma reunião do chefe da Polícia com os senhores deputados?

Pois bem, amável leitora, é aí que a mulher de César aparece. É que não basta ao governo trabalhar para garantir paz e tranquilidade aos baianos. Ele precisa também mostrar que trabalha corretamente, o que só acontecerá se houver transparência. Esconder-se só faz aumentar a percepção de que há algo errado.

Além do mais, ao transformar a ida do secretário a uma audiência com os deputados em uma tempestade, o governo, pelas ações de seu líder, chega a ofender o novo chefe de Polícia que o próprio governador escolheu. Afinal, o secretário está há menos de noventa dias no cargo e se há algo no passado que o governo quer manter escondido, ele nada tem a ver com isso.

Delegado da Polícia Federal, Marcelo Werner goza de ótimo conceito na corporação. É tido por seus pares como um profissional sério, preparado e

correto. Não merece esse tratamento. Nem a gente.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.

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