A morte do marceneiro e a urgência da implantação de câmeras na farda dos policiais

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José Carlos Teixeira*

“Dizem que ela existe pra proteger

Eu sei que ela pode te parar

Eu sei que ela pode te prender

Polícia para quem precisa”

(Polícia, de Tony Bellotto)

 

Depois de sepultar o corpo do marceneiro Givanildo Silva, na manhã desta segunda-feira, 13, familiares e amigos do morto interditaram a Estrada do Coco, na altura do bairro de Portão, em Lauro de Freitas. A interdição das duas pistas durou quase quatro horas e provocou um enorme engarrafamento do trânsito na área. Os manifestantes já haviam interditado a via, queimando pneus e madeira, na noite de sábado, depois que a notícia da morte do marceneiro se espalhou na comunidade.

Givanildo, de 36 anos, morreu após uma operação policial na localidade de Pé Preto, no bairro de Portão. Deixa mulher e três filhos. Os policiais alegaram que faziam ronda pelo local, foram atacados por homens armados e revidaram. Cessado o tiroteio, encontraram Givanildo caído no chão. Ele foi socorrido e levado para o Hospital Menandro de Faria, mas não resistiu aos ferimentos.

No relatório, os policiais dizem também ter encontrado uma pistola, munição e drogas com o marceneiro. Os familiares e vizinhos de Givanildo, no entanto, dizem que a polícia já chegou na localidade atirando e contestam a informação de que a vítima seria um traficante. Segundo eles, o marceneiro levava na mochila que carregava apenas suas ferramentas de trabalho.

Esta não foi a primeira – e certamente não será a última – operação policial que resulta em mortes e cujas circunstâncias são contestadas por moradores, sobretudo nos bairros periféricos de Salvador. É óbvio que uma política de segurança pública calcada principalmente no aspecto belicista vai deixar muitas vítimas inocentes pelo caminho.

Além do mais, a Bahia é vice-campeão nacional em letalidade policial. Perde apenas para o Rio de Janeiro. Em 2021, foram registradas 1.013 mortes por intervenção policial no Estado (no Rio, foram 1.356). Esse número, porém, pode ser maior: há casos de mortes em ações policiais que não foram incluídos no banco de dados da Secretaria da Segurança Pública. As mortes por policiais na Bahia representaram 15% de todas as mortes violentas intencionais ocorridas no Estado naquele ano.

Eis aí uma boa oportunidade para o governador Jerônimo Rodrigues dizer a que veio. Explicar se vai manter a prática bolsonarista do governo anterior, segundo a qual bandido bom é bandido morto – mesmo que isso implique também a morte de inocentes – ou se vai haver mudança.

Se pretende mudar, o primeiro passo do governador poderá ser a adesão da Bahia ao modelo preconizado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda neste semestre estará lançando um programa para a instalação de câmeras nos uniformes de agentes de polícia.

 

As câmeras corporais, como sabe o ilustrado leitor, gravam imagens das ações policiais e transmitem os dados para uma central. Tudo é registrado automaticamente, o que permite o acompanhamento das ações em tempo real e também o armazenamento na nuvem para posterior consulta.

Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgado no final do ano passado apontou que o uso de câmeras corporais nos uniformes de policiais militares de São Paulo resultou em uma queda de 57% no número de mortes decorrentes de ações policiais em relação a unidades policiais onde ainda não houve a implantação desse tipo de tecnologia. Foram evitadas 104 mortes, concluiu o estudo.

A medida é considerada fundamental pelos especialistas para a redução da letalidade policial e para a proteção do próprio agente de segurança, com impacto direto na própria instrução processual, que ao invés de contar apenas com a declaração do policial, terá também a gravação em áudio e vídeo do que realmente aconteceu.

Sabe-se que há resistências ao programa dentro da própria polícia baiana. Compete ao governador, que é o comandante das forças policiais estaduais, vencê-las e levar o estado a aderir ao programa federal. Sob pena de ver a letalidade policial continuar crescendo – e ele próprio ter que carregar na consciência a morte de pessoas inocentes ou ser lembrado a todo momento de sua responsabilidade nesse processo.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.

 

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