As trapalhadas do Ipac, agora em ritmo de axé music

foto texeira nova

José Carlos Teixeira*

Quarenta minutos. Não mais que isso. Foi o tempo que durou o show de Daniela Mercury no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista, ao meio-dia daquela sexta-feira, 5 de junho de 1992 – e que se transformaria em um marco na carreira da cantora e na história da própria axé music, como se convencionou chamar a moderna música carnavalesca baiana, surgida nos anos 1980.

A apresentação de Daniela foi interrompida por determinação da Secretaria Municipal de Cultura quando já reunia um público de mais de 20 mil pessoas, com tendência a aumentar – “As pessoas já desciam dos ônibus dançando”, contaria ela, anos depois, divertindo-se ao relembrar o episódio.

É que, àquela altura, com tanta gente dançando, pulando, enlouquecida com o batuque vigoroso da banda que acompanhava a cantora, a estrutura do prédio, um ícone da arquitetura modernista brasileira, projetado por Lina Bo Bardi, começou a vibrar. Preocupada com a integridade do prédio e do seu inestimável acervo de obras de arte, veio a ordem da secretaria: Para tudo!

Trinta anos se passaram e esse tipo de preocupação ainda não chegou à Bahia: nesse último sábado, 23, os tambores ecoaram livremente pela antiga Quinta do Unhão, conjunto arquitetônico datado do Século 17, formado pelo Solar do Unhão e pela Capela de Nossa Senhora da Conceição, tombado desde 1943 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e que desde 1962 abriga o Museu de Arte Moderna da Bahia.

Dessa vez, era o “Baile da Maga”, festa carnavalesca comandada pela cantora Margareth Menezes e que teve uma convidada especial: Daniela, ela mesma, a que não pôde prosseguir com sua apresentação no vão livre do Masp para não prejudicar as obras de arte do museu paulista.

Durante horas, no sábado, uma multidão de foliões se esbaldou, num arremedo de Carnaval fora de época, devidamente autorizado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), órgão da Secretaria de Cultura do Estado responsável pela gestão do museu – e ao qual caberia zelar pela integridade do conjunto arquitetônico e das mais de mil obras de arte que compõem o acervo da instituição, agora transformada em privilegiada área para festas carnavalescas privadas.

No mesmo fim de semana, aliás, o Ipac, que no mês passado já havia desalojado o Museu do Cinema de Cachoeira, promoveu uma estranha operação envolvendo obras de arte do patrimônio do Estado: o empréstimo de 106 obras do artista visual Frans Krajcberg (1921-2017), um polonês naturalizado brasileiro que em 2009 doou ao Governo da Bahia seu acervo de 48 mil itens, entre esculturas, gravuras, fotografias e pinturas, com o objetivo de preservá-los após sua morte.

Desde a morte do artista, este acervo permanece no Sítio Natura, em Nova Viçosa, onde Krajcberg morava, praticamente abandonado, com muitas peças consumidas por cupins e brocas – algumas obras selecionadas, no entanto, que chegaram a ser cedidas pelo Ipac para decorar um requintado e seletivo cerimonial particular instalado na Ilha dos Frades, na Baía de Todos-os-Santos.

O empréstimo das 106 obras, que irão compor a exposição “Frans Krajcberg: por uma arquitetura da natureza”, realizada pelo Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia, na capital paulista, seria uma operação perfeitamente normal. A estranheza é que o resumo do termo de comodato foi publicado na edição do Diário Oficial de sábado, 23, e já no domingo, bem cedinho, os caminhões chegaram ao Sítio Natura para carregar as peças.

O caso despertou a atenção da imprensa, com diversos sites e blogs divulgando matérias no domingo mesmo, manifestando estranheza com a retirada das peças. Só na segunda-feira, depois de intensa repercussão negativa, é que o Ipac decidiu divulgar uma nota explicando o destino das peças, que deverão ser devolvidas até 30 de agosto. Só que não voltarão para Nova Viçosa: irão para o Museu do Recôncavo Wanderley de Pinho, no distrito de Caboto, município de Candeias, no Recôncavo da Baía de Todos-os-Santos, distante 875 quilômetros. Vai-se lá saber porquê…

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

 

 

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