Até as máquinas consideram antiética a manobra de Rui para emplacar a mulher no TCM

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José Carlos Teixeira*

 

“Deixa que digam
Que pensem, que falem

Deixa isso pra lá, vem pra cá
O que é que tem?”

(Deixa isso pra lá, samba de

Alberto Paz e Edson Menezes)

 

“A indicação por um ex-governador de sua própria esposa para ocupar um cargo público com alto salário pode ser vista como nepotismo, ou seja, um uso impróprio do poder político para benefício e vantagem da família. Isso pode ser considerado antiético, uma vez que a pessoa estaria colocando seus interesses pessoais à frente dos interesses públicos.

Esse tipo de indicação pode ser considerado uma violação da ética porque pode ser percebido como uma forma de garantir vantagens financeiras e privilégios para si e para a sua família ao invés de priorizar a meritocracia e a equidade na distribuição de oportunidades públicas.”

Os dois parágrafos acima não foram escritos por mim. Foram escritos por um chatbot, uma forma de inteligência artificial. Eu perguntei ao ChatGPT, desenvolvido pela OpenAI, como ele classificaria o fato de um ex-governador indicar a própria mulher para ocupar um bem remunerado cargo público vitalício. O que você leu acima foi a resposta que recebi. Fiquei fã do robô!

Faço esse esclarecimento por dois motivos. Primeiro porque aprendi em casa, no ambiente doméstico, desde cedo, a não tomar como meu o que pertence a outrem. Alguns não aprenderam, mas eu jogo em outro time. O texto, portanto, não é meu.

O segundo motivo é para evitar que essa gente pouco republicana, acostumada a atacar a imprensa e os jornalistas sempre que o noticiário desvia do meramente laudatório, caia no ridículo de agredir uma máquina, um robô, pela ousadia de dizer que o rei está nu. É isso mesmo: Estou te salvando, mané! Não pague esse mico!

Dito isso, vamos ao que interessa. Começou com o próprio governador Jerônimo Rodrigues. Baixou um espírito de censor em sua excelência, que primeiro acusou a mídia de agir com má-fé ao criticar as deficiências na área de segurança pública do governo. Depois cuidou de dizer como queria que a imprensa, sobretudo as emissoras de televisão, cobrissem o Carnaval: só deviam mostrar as coisas boas; as ruins deviam ser escondidas. Já ali percebi a senha para o que viria a seguir.

Passou o carnaval e veio novo ataque à imprensa. Dessa vez por meio do líder governista na Assembleia Legislativa, deputado Rosemberg Pinto (PT) – e é bom frisar que quando o líder fala, está falando em nome do governo, em qualquer circunstância. Não existe isso de o líder falar em seu nome pessoal. Faz parte da liturgia do posto.

Incomodado com a publicação de matéria na Folha de S. Paulo apontando a omissão, no currículo da ex-primeira-dama Aline Peixoto enviado à Assembleia, da informação de que ela ocupa cargo no governo há nove anos, incluídos os oito anos da gestão do marido, Rosemberg agrediu diretamente o autor da matéria, chamando-o de “mentiroso” e de “não gostar da Bahia”. Tudo no melhor estilo Jair Bolsonaro.

Na ânsia de mostrar serviço, o deputado acabou cortando o baralho errado, como se diz. A reação foi imediata, com entidades representativas dos jornalistas e da imprensa baiana e nacional condenando o ataque e solidarizando-se com o repórter agredido – no que foram seguidas por dezenas de colegas de ofício do atingido, em manifestações nas redes sociais.

Mas continuamos com um problema: se um governo que mal começou age assim, como será no futuro?

Já antevejo o guarda da esquina dando sopapo em repórter, esbirros apreendendo telefones celulares, beleguins quebrando câmeras. Não se iluda, incrédulo leitor: todo regime autoritário começa assim, como mostra a História.

Precisamos, portanto, cuidar logo de defender a democracia. É assim que se fala? Como é mesmo que diziam aqueles cartazes e faixas nas manifestações contra o Bozo? Se esqueceram, faço questão de lembrar: o direito à informação e a liberdade de expressão integram os fundamentos da democracia. Um ataque à imprensa livre é, portanto, um ataque à democracia.

Voltemos agora ao ponto crítico de toda essa questão: o empenho do ex-governador Rui Costa, hoje aboletado na cadeira de ministro-chefe da Casa Civil e com sala a poucos passos do gabinete presidencial, em garantir para a própria mulher um emprego vitalício no TCM, o Tribunal de Contas dos Municípios, com salário superior a R$ 41 mil.

Para garantir a aprovação pela Assembleia Legislativa, os deputados da base governista e os ditos independentes estão sendo cortejados com promessas de cargos e a liberação de emendas (diz-se, nos bastidores, que a promessa é de R$ 5 milhões para cada parlamentar). Cabe a eles escolher, pelo voto secreto, entre a ex-primeira-dama e o ex-deputado Tom Araújo, quem vão mandar para o TCM.

Ora, isso é apenas mais um embate entre governo e oposição, dirão os mais apressados. Bobagem, a questão não é política. Também não é uma questão de gênero, embora até hoje mulher nenhuma tenha ocupado uma cadeira de conselheira no TCM. É uma questão de ética. E é sob esse prisma que a manobra do ministro Rui Costa ganha expressão nacional e conduz uma alta carga negativa para o Partido dos Trabalhadores e para ambos os governos, o da Bahia e o federal.

É que o caso joga os holofotes da opinião pública nacional sobre um passado recente marcado por inciativas pouco republicanas e desvios de ética envolvendo dirigentes do PT e as gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Isto é, traz à tona tudo que o novo governo de Lula gostaria que seguisse esquecido, guardado nos desvãos do baú da História.

Na Bahia, o incômodo tem sido grande para os chamados “petistas de raiz”, aqueles que comeram muita poeira e aguentaram muito sol na cabeça trilhando a Bahia de alto a baixo para fundar o novo partido com a promessa de que ele seria diferente dos demais. Um partido ético, diziam. Esta semana eu conversei com um desses petistas. Ao abordar o caso da indicação da mulher de Rui, ele me pediu: “Me deixe fora disso, já basta a vergonha que eu estou sentindo”.

Estamos falando, portanto, de ética. Coisa que até o chatbot, um robô, uma máquina dotada de inteligência artificial, sabe o que é e conhece os seus limites. Limites, aliás, que todos os petistas deveriam saber de cor e salteado. Afinal, no Estatuto do Partido dos Trabalhadores, a palavra “ética” aparece 51 vezes. Já a expressão “interesse pessoal” aparece apenas uma vez – e para afastar o interessado. É preciso desenhar?

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.

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