Baianas passam Dia Internacional da Mulher na fila por serviços de saúde

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José Carlos Teixeira*

“Mas é preciso ter força,

É preciso ter raça,
É preciso ter gana sempre”

(Maria, Maria, de Milton

Nascimento e Fernando Brandt)

Quando o ponteiro do relógio virou a meia-noite, dando início ao 8 de março, Dia Internacional da Mulher, quase uma centena delas já estava lá, acomodando-se na calçada em pé, sentadas ou mesmo deitadas no chão, formando uma fila. As primeiras diziam ter chegado por volta das 5 da tarde.

Ao raiar do sol, já eram centenas na fila. De todas as idades. Algumas com filhos recém-nascidos no colo. “Não posso deixar em casa pois ele tem que mamar”, explicou uma delas à repórter da televisão, com um enorme sorriso que lhe tomava todo o rosto. Sorriso largo de mãe, apesar da agrura do momento.

Às 7 horas, já eram milhares. Fazia calor e o rosto das que chegaram primeiro revelava o desconforto da noite mal dormida, se é que conseguiram dormir.

A fila começava no portão de entrada do estacionamento do estádio da Fonte Nova, seguia pelo passeio, acompanhando o dique, e de repente virava à direita, tomando o rumo do Jardim Baiano ladeira acima, até quase chegar no Campo da Pólvora.

Não, meu caro leitor, era o Dia Internacional da Mulher, mas elas não estavam ali para festejar. Eram mulheres com algum tipo de doença. Umas menos, outras mais graves. Mas todas carecendo de alguma espécie de atendimento médico. Desde uma cirurgia até um simples exame de sangue.

Com o pedido do médico na mão, passaram dias, meses, até mais de um ano sem conseguir o necessário atendimento. Algumas, certamente, perderam essa corrida e talvez a própria vida.

Em sua maioria, eram moradoras de Salvador, mas muitas vieram de outras cidades. Até mesmo de municípios situados a mais de 600 quilômetros da capital, como Brumado, Casa Nova ou Sento Sé.

Acorreram todas à Feira Março Mulher, ação realizada pela Secretaria da Saúde do Estado, em parceria com as Voluntárias Sociais da Bahia, no estacionamento externo da Fonte Nova, na esperança de serem atendidas, mesmo que isso lhes custasse a noite e um dia na fila, sob o sol escaldante desse fim de verão.

O balanço feito pelos organizadores da feira de saúde apontou que no primeiro dia, quarta-feira, mais de 6 mil mulheres foram atendidas. Ontem, no segundo dia, os atendimentos também passaram de 6 mil. Como a feira vai até o sábado, estima-se que, no total, mais de 20 mil mulheres sejam atendidas. Não é um número para ser comemorado, pois ele apenas revela as deficiências e carências do sistema público de saúde da Bahia.

É comum, no Dia Internacional da Mulher, uma ou outra autoridade, após parabenizá-las, dizerem que, na verdade, todos os dias são dias da mulher. Soa bonito. Mas é apenas um agrado, um fraseado, e nada mais. Afinal, amável leitora, se todos os dias fossem dias da mulher, aquela multidão não precisava esperar o Dia Internacional da Mulher, nem enfrentar sol e chuva em uma fila no meio da rua, para obter um simples, mas necessário, atendimento de saúde.

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Corte rápido para a Assembleia Legislativa: naquela mesma quarta-feira, 8,  Dia Internacional da Mulher, enquanto a imensa fila de mulheres serpenteava sob o sol nas cercanias da Arena Fonte Nova, a ex-primeira-dama Aline Peixoto foi indicada para ocupar uma cadeira no TCM, o Tribunal de Contas dos Municípios, com os votos de quarenta deputados.

Ela é casada com o ex-governador e atual ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República e não precisou enfrentar fila. O cargo, que é vitalício e tem salário superior a 41 mil reais, estava reservado para ela pelo marido, desde maio do ano passado, quando o conselheiro Raimundo Moreira se aposentou e abriu a vaga.

A Assembleia aprovou a indicação de Aline Peixoto no meio da tarde. Menos de duas horas depois, uma edição suplementar online do Diário Oficial do Estado trouxe o decreto de nomeação da nova conselheira. Mais tarde, às 20 horas, no gabinete do presidente do TCM, presentes pouquíssimas pessoas, Aline Peixoto tomou posse. Tudo no mesmo dia, no melhor estilo correria.

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