Candidato bom não se lambuza de dendê

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Que marqueteiro, que nada. Esqueçam. O mais importante assessor de todo e qualquer candidato a prefeito de Feira de Santana nas últimas décadas do século passado pouco ou quase nada entendia de marketing eleitoral. Mas sem ele o candidato corria o risco de ver a candidatura naufragar às vésperas da eleição.

Ele não dominava nenhuma dessas técnicas que o marketing político inventou para potencializar a aceitação do candidato junto ao eleitorado, como, por exemplo, ajustar o discurso do candidato àquilo que o eleitor quer ouvir, com base nos resultados das pesquisas qualitativas.

Não sabia o que era algoritmo, desconhecia as técnicas de SEO (search engine optimization, que, em português, quer dizer otimização para mecanismos de busca), e nunca ouvira falar de facebook, youtube, instagram, twitter e tik tok, pois tudo isso ainda não exista.

Sequer imaginava que era possível fazer um impulsionamento segmentado em rede social de modo que aquela mensagem com o retrato do candidato segurando uma criança fosse entregue apenas e tão somente a mulheres donas-de-casa na faixa etária de 20 a 42 anos e moradoras dos distritos de Humildes, Matinha e Jaguara, desprezando todas as demais, para com isso ganhar mais alguns preciosos votos.

Ao contrário de outros assessores, que labutavam o tempo todo, desde o início da campanha até a total apuração dos votos, ele só começava a trabalhar, ainda em ritmo vagaroso, no início de setembro, quase sempre à noite, nos fins de semana. Sua labuta ia se intensificando e chegava ao auge no dia 27 de setembro, praticamente as vésperas da eleição.

Nesse dia, a Bahia comemora os gêmeos Cosme e Damião, os santos meninos – identificados, no sincretismo religioso afro-baiano com os ibêjis, os orixás-crianças do candomblé –, com festas onde é servido o caruru, uma fartura de comidas à base de dendê, verdadeiro banquete.

Aos convidados são oferecidos pratos com fartas porções do caruru propriamente dito, mais vatapá, galinha de xinxim, omolokum, acarajé, abará, farofa de azeite etc.

Nesse dia, o candidato é convidado a muitos carurus. Com empenho e domínio da agenda, comparece a uns cinco ou seis, escolhidos quase sempre pelo critério da maior ou menor quantidade de votos que a visita pode render.

Em todos, ele é convidado a saborear um prato de caruru. Não um prato qualquer, mas um prato generoso – afinal, ali está, quem sabe, o futuro prefeito da cidade, a quem o dono da festa não pode desagradar.

Todos sabem que ir a um caruru e recusar o prato que lhe oferecido é cometer uma irreparável desfeita ao dono da casa. Imagine um candidato cometendo tão grave pecado. Mas, como encarar aquela comida toda, sobretudo sabendo que aquilo vai se repetir durante o resto da noite? Afinal, cada prato de caruru, segundo nutricionistas, pode superar 2 mil calorias.

É aí que entra o comedor de caruru. Aquele importante assessor que desconhecia as sutilezas marqueteiras da moderna disputa eleitoral, mas era bom de garfo e um espanto em fazer a comida desaparecer dos pratos que lhe chegavam à mão com rapidez e segurança.

O candidato, com o prato na mão, conversa com um, conversa com outro, belisca a porção de arroz, mas não encara as comidas que levam dendê. Num determinado momento, pessoas que o acompanham fazem uma barreira e, sem que ninguém perceba, ele entrega o prato ao ilustre assessor, que em poucos minutos faz desaparecer a comida.

Mas não fica nisso. Ao devolver o prato vazio, sempre ouve do dono da festa: “Gostou, hem? Vou mandar botar mais um pouco”. Para poupar o estômago do pobre assessor – afinal, a noite será longa –, muitas vezes o candidato pede: “Por favor, só um pouquinho de vatapá, nunca comi um tão delicioso”. Quando vem o segundo prato, o ritual se repete, com o assessor fazendo a comida desaparecer.

É bem verdade que, nos últimos anos, a quantidade de carurus festivos, aqueles com muitos convidados, vem diminuindo bastante. Mais por causa da crise econômica, que por falta de fé nos santos mabaças. De todo modo, os candidatos continuam recebendo convites para a festa. E ai daquele que não contar com o auxílio luxuoso de um comedor de caruru. Arrisca-se a passar dias retido em casa, abatido e fazendo sucessivas visitas ao trono, exatamente na última semana da campanha eleitoral.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

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