Desmatamento tamanho G do cerrado baiano não inibe Rui, o novo ambientalista

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José Carlos Teixeira*

 

“Manter em pé o que resta não basta

Que a motosserra voraz faz a festa

O jeito é compreender que já basta

E replantar a floresta”

(Refloresta, de Gilberto Gil)

 

A troca do Palácio de Ondina, de onde reinou por oito anos, como governador da Bahia, por um gabinete no quarto andar do Palácio do Planalto, já provocou uma importante mudança no petista baiano Rui Costa: não se passaram três semanas e ele já se tornou um firme e consciente defensor do meio ambiente.  Quem viu Naninha, hem?

Bom de discurso, qualidade que vem exercendo mais intensamente nesses últimos dias, o ministro-chefe da Casa Civil quase rouba a cena na concorrida cerimônia de posse de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, no último dia 4. Em sua fala, antes da exposição de Marina, Rui antecipou o principal ponto do discurso da empossada: a transversalidade.

– Marina, pode contar conosco, com o melhor que tem de cada um de nós, ministros, porque a Casa Civil da Presidência da República atuará todos os dias, garantindo que o meio ambiente seja visto de forma transversal em todos os ministérios da República – discursou.

Não se sabe se Marina Silva acreditou em tão rápida conversão. Mas, elegante, agradeceu. Disse que as palavras do colega lhe soaram como “doce melodia” e voltou a insistir no que tinha dito a Lula ainda na campanha eleitoral: o combate ao desmatamento e a adoção de políticas para um crescimento econômico sustentável só vão funcionar se todos os ministérios atuarem na mesma direção.

Ela é consciente de que vai ser uma luta grande, pois nem sempre discurso significa ação. Sabe, por exemplo, que Rui Costa e outros dois ministros de Lula – Flávio Dino, da Justiça e Segurança Pública; e Wellington Dias, do Desenvolvimento e Assistência Social – deixaram as gestões de seus estados exibindo recordes de desmatamento do cerrado em um período de oito a dez anos.

No Maranhão, governado por Flávio Dino (PSB), o desmatamento do cerrado atingiu 283.400 hectares no ano passado. O cálculo é do Programa de Monitoramento do Desmatamento por Satélite (Prodes), com base em imagens de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e leva em conta o intervalo entre agosto de 2021 e julho de 2022. Um aumento de 24% em comparação aos 12 meses anteriores e um recorde em 10 anos.

A Bahia também registrou um recorde de devastação do cerrado em 10 anos, segundo os dados do Prodes/Inpe. Entre agosto de 2021 e julho de 2022, ou seja, na despedida de Rui Costa, foram desmatados 142.800 hectares – um inacreditável aumento de 54% em relação ao mesmo período anterior.

Já no Piauí de Wellington Dias, a área devastada foi menor: 118.900 hectares desmatados de agosto de 2021 a julho de 2022. No entanto, a aceleração foi maior: a área de cerrado suprimida alcançou mais do que o dobro do registrado no período anterior.

A extensão devastada fica na região do Matopiba, nova fronteira agrícola que envolve uma área de 73 milhões de hectares do bioma cerrado nos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Responde por cerca de 10% da produção nacional de grãos e fibras, com destaque para soja, milho e algodão.

É a região que mais cresce, em área plantada, no país, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Por conta disso, é também a região onde mais avança o processo de supressão da vegetação nativa conduzido pelo agronegócio.

Nesse avanço, os tratores dos grandes empreendimentos passam por cima de tudo, em nome do aumento da produção do agronegócio. Só que a supressão do cerrado, além do dano ambiental, provoca forte impacto econômico nas comunidades tradicionais.

Os geraizeiros, como são chamados, vivem da agricultura de subsistência com o plantio de feijão, arroz e mandioca, e têm uma renda adicional na coleta de frutos de espécies nativas como o buriti, pequi, mangaba e araçá, agora permanentemente ameaçadas.

Esse é o dilema que o novo governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, também do PT, vai encontrar: onde situar-se no choque entre o agronegócio e a agricultura familiar. Qual política para o meio ambiente ele vai seguir? A dos governos petistas anteriores, que fizeram uma clara opção pelo agronegócio, com farta concessão de autorizações para supressão do cerrado? Ou a política de contenção do desmatamento pregada por Lula e defendida por sua ministra do Meio Ambiente?

O padrinho político de Jerônimo, o hoje ministro Rui Costa, já fez sua opção: agora ambientalista, ele quer a Casa Civil organizando os demais ministérios nos processos transversais de defesa do meio ambiente, no combate ao desmatamento e às mudanças climáticas.

É assim: tudo muda, tudo varia, tudo se transforma. É como diz a letra daquele samba de Chico: “Quem te viu, quem te vê…”

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.

 

 

 

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