Então é Natal. E felicidade é brinquedo que não tem

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Era perto do Natal. Lá pelo final dos anos 1970. Eu, então um jovem repórter, e o mestre Cid Teixeira, que nos deixou na semana passada, aos 97 anos, conversávamos sobre a participação dos baianos nas origens do que se convencionou chamar de música popular brasileira.

Quer dizer, conversar é um modo de dizer. Na verdade, ele falava e eu ouvia, deslumbrado com a facilidade com que ele discorria sobre a ida, no final do século XIX, de um grupo de negras baianas para o Rio de Janeiro, levando na bagagem seus batuques e as tradições do povo de santo.

As tias negras, como ficaram conhecidas, se estabeleceram em uma área próxima ao Cais do Porto que ficaria conhecida como Pequena África. Foi nos quintais de suas casas – sobretudo no terreiro de um enorme casarão onde morava a mais famosa delas, Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata – que o samba levado da Bahia fincou raízes e evoluiu para se transformar no mais importante gênero musical brasileiro.

Cid falava com a naturalidade de quem tivesse participado daqueles acontecimentos e como se tudo aquilo tivesse ocorrido meses antes. Não precisou recorrer a nenhum dos livros ou revistas que lotavam as estantes para discorrer sobre a intensa migração de músicos, cantores e cantores baianos para o Rio nas primeiras décadas do século XX. Dava nomes, citava datas e salientava a importância de cada um deles para a gênese da música popular brasileira.

De repente, quando contava como Assis Valente, já estabelecido no Rio, se transformara em um dos mais requisitados autores do repertório de Carmem Miranda, interrompeu a sequência da história para observar:

– Como é estranho esse nosso país. O Natal é tradicionalmente uma festa alegre em todo o mundo cristão. Mas no Brasil, a canção natalina de maior sucesso é de uma enorme tristeza.

E citou os últimos os versos da canção “Boas Festas”, a mais conhecida e bem sucedida canção de Assis Valente:

“Já faz tempo que eu pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem”

Mais que nunca, os tristes versos de Assis Valente nos soam verdadeiros nesses tempos que vivemos hoje. Mestre Cid sabia das coisas. Que falta ele nos faz e fará.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

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