Na contramão do discurso de Lula, Câmara altera lei para facilitar desmatamento

foto texeira nova

José Carlos Teixeira*

“Rezei pra Deus acabar essa fúria, essa sanha, essa ira

Daqueles que pensam que o mundo terá saída

Com tanta barbaridade e devastação”

(Silêncio da mata, de Beto Pitombo)

 

 

“Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente”. Esse antigo ditado popular era costumeiramente repetido pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães ao se deparar com algo que não seguia a ordem natural das coisas. Se choveu forte, tudo bem; mas se não choveu e o animal está em cima da árvore é porque alguém o colocou lá.

Assim, por analogia, o jabuti entrou no processo legislativo brasileiro para designar a inserção de uma norma alheia ao assunto principal em um projeto de lei ou medida provisória enviada ao Legislativo pelo Executivo.

Vejamos um exemplo bem baiano: no apagar das luzes de seu governo, Rui Costa encaminhou à Assembleia Legislativa um projeto de lei alterando alíquotas do ICMS. Para agradar o chefe, o líder do governo, deputado Rosemberg Pinto, apresentou uma emenda ao projeto mudando uma lei estadual que trata do direito vitalício a carro com motorista e segurança para ex-governadores. Em sua forma original, a lei vedava o benefício a ex-governadores que morem fora do Estado. O jabuti de Rosemberg suprimiu justamente esse trecho, tornando legal a extensão da mordomia vitalícia a ex-governadores que, como Rui, que é ministro-chefe da Casa Civil e atua em Brasília, tenham residência fora da Bahia.

Pois bem, na contramão do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e contrariando a expectativa que o mundo tem em relação à mudança da política ambiental do Brasil, a bancada ruralista na Câmara dos Deputados emplacou um enorme jabuti nesta quinta-feira, 30.

Graças a um acordo entre líderes do Centrão e a liderança do governo Lula, o plenário da Câmara alterou o texto de uma medida provisória do governo Bolsonaro, afrouxando as proteções à Mata Atlântica, o bioma mais devastado do país.

A medida provisória, em sua forma original, adiava pela sexta vez o prazo para que proprietários rurais que ainda não tenham seus imóveis inscritos no Cadastro Ambiental Rural possam aderir ao Programa de Regularização Ambiental até o fim de 2023 ou 2024— a depender do tamanho da propriedade— e iniciar o processo de reflorestamento de áreas desmatadas.

O relator, deputado Sérgio Souza (MDB-PR), que é ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, pôs o jabuti em cima da árvore: acrescentou emendas alterando a Lei da Mata Atlântica para flexibilizar o desmatamento de vegetação primária e secundária no estágio avançado de regeneração ao retirar a exigência de que isso só pode ocorrer quando não existir alternativa técnica e locacional ao empreendimento.

Além disso, as emendas estabelecem que a supressão do bioma dependerá exclusivamente de autorização do órgão ambiental municipal competente, excluindo a necessidade de um parecer técnico sobre a ação.

Também acabam com a exigência de medidas compensatórias para supressão da vegetação fora de áreas de preservação permanente (APP) e extinguem, em casos de desmatamento para implantação de empreendimentos lineares, como linhas de transmissão e sistemas de abastecimento público de água, a necessidade de realização de estudo prévio de impacto ambiental.

Os ambientalistas alegam que as alterações vão provocar um verdadeiro desastre ambiental para o pouco que sobrou da Mata Atlântica, para as unidades de conservação e até mesmo para áreas de risco no entorno de rios. A matéria seguirá agora para o Senado. Caso os senadores acatem as emendas, o compromisso do governo Lula de zerar o desmatamento em todos os biomas brasileiros até 2030 ficará irreversivelmente comprometido.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.

 

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