Nunca o mar da Bahia, a morada de Iemanjá, esteve tão sujo como agora

teixeira foto nova

José Carlos Teixeira*

“Só minha Mãe, a Rainha das Águas,

pode fechar os caminhos do mar”

(Iemanjá, de Pixinguinha e Vinicius de Moraes)

 

Dois de fevereiro, quinta-feira próxima, é o dia dela. Dia de saudar Iemanjá: Odôyá, minha mãe! Salve ela! Salve Dona Janaína, a sereia, a Princesa de Aioká!

Orixá poderosa, a Rainha das Águas veio da África na esteira dos navios que trouxeram para a Bahia, escravizados, tantos e tantas filhos e filhas seus. Aqui, ela assentou morada e continua a proteger sua gente, o povo de santo – e quem mais a ela dedicar reverência e louvor.

O povo do mar, pescadores, marinheiros, barqueiros, marisqueiras, sabem que ela tem morada em vários recantos do mar da Bahia: na Barra, em Itapuã, em Monte Serrat, na Gamboa, na Ilha de Itaparica…

Mas é no Rio Vermelho que centenas de milhares de fiéis da Rainha do Mar se reúnem no dia 2 de fevereiro para saudá-la, pedir graças e presenteá-la, em agradecimento por favores recebidos.

Trata-se da mais importante manifestação popular ligada exclusivamente às religiões de matriz africana. Embora Iemanjá seja identificada com Nossa Senhora da Conceição no sincretismo religioso afro-baiano, nesse dia a festa é tão somente da Mãe D’Água.

Dois fatos marcarão a festa este ano. Um deles é que a tradição iniciada por um pequeno grupo de pescadores, hoje reconhecida como Patrimônio Cultural de Salvador, está comemorando 200 anos de existência. Registros históricos indicam que tudo começou em 1823, quando em Salvador e no Recôncavo se travavam as lutas pela Independência da Bahia.

O outro fato é lamentável: o mar de Salvador, a morada da Senhora das Águas, nunca esteve tão sujo. Ou melhor dizendo: nunca sujaram tanto o mar da Bahia como agora.

Na última semana de dezembro passado, todas as praias de Salvador, de São Tomé de Paripe, dentro da Baía de Todos-os-Santos, a Itapuã, no Litoral Norte, estavam impróprias para o banho de mar, de acordo com a avaliação do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão do governo do Estado que monitora a qualidade da água nas praias baianas.

Segundo o Inema, a praia é considerada imprópria para banho quando for registrada a presença de mais de 800 coliformes fecais para 100 ml de água em duas ou mais amostras, de um conjunto de cinco semanas, coletadas no mesmo local, ou o valor obtido na última amostragem for superior a 2.000.

Naquela semana, nada menos que 36 praias foram consideradas impróprias, informou o Inema. Foi a primeira vez que isso aconteceu. Até mesmo a praia do Porto da Barra, que já foi apontada pelo jornal britânico The Guardian como a terceira praia urbana mais bonita do mundo, foi considerada imprópria para o banho.

Mas a situação ruim não se restringe a Salvador. O jornal Folha de S. Paulo, que há seis anos monitora a qualidade das praias brasileira, apontou que entre outubro de 2021 e novembro de 2022, a Bahia teve apenas 13 praias consideradas próprias em 100% das medições – uma queda substancial na comparação com igual período de 2021, quando 34 praias estavam limpas em todas as avaliações.

Praias famosas, como Mundaí, Mucugê e Nativos, em Porto Seguro, um dos destinos turísticos mais procurados da Bahia, que eram boas, agora foram classificadas como regulares. Nos seis anos de monitoramento da Folha, pela primeira vez Salvador não teve nenhuma praia considerada boa nesse período.

Na base de tudo, estão as deficiências no sistema de saneamento básico nas cidades litorâneas, sobretudo em Salvador, mais a descarga dos rios, que já chegam ao mar poluídos pelos esgotos in natura que recebem ao longo do curso.

Mas, o que o Governo do Estado pode fazer para reverter esse quadro? Aparentemente, nada. Tanto que a única medida nessa área que se descortina no horizonte é a privatização da Embasa, a empresa estadual de saneamento, cujo processo já está em andamento. Ou seja, vamos transferir a responsabilidade para o capital privado, cujo objetivo é o lucro.

O que nos resta? Pedir a ajuda de Iemanjá, talvez. Mas como pedir a ajuda da Rainha das Águas se somos nós que estamos a sujar a morada dela?

 

José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

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