O copo vazio de Jerônimo ou como o candidato atirou contra o próprio patrimônio

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José Carlos Teixeira*

“É sempre bom lembrar
Que um copo vazio
Está cheio de ar”

(Copo Vazio, de Gilberto Gil)

 

Um copo com água pela metade. Diante dele, um observador pode chegar a duas interpretações igualmente legítimas, verdadeiras: ou o copo está quase cheio ou está quase vazio. Quase, essa a palavra-chave.

É com a imagem desse copo meio cheio, meio vazio, que cientistas políticos costumam explicar, metaforicamente, o jogo retórico que se estabelece em uma disputa eleitoral.

Para o candidato do governo, a situação do país, do estado ou do município, está boa (ou seja, o copo está quase cheio) e vai ficar melhor (o copo ficará totalmente cheio), caso ele seja eleito.

Já para o candidato da oposição, a situação atual é ruim (o copo está quase vazio), vai ficar pior (ficará completamente vazio) se o candidato governista ganhar, mas com certeza ficará boa (o copo totalmente cheio) caso o eleito seja ele.

É com base nessa estrutura que se vai construir o discurso, a retórica da persuasão eleitoral, isto é, o argumento que a campanha vai utilizar para conquistar a preferência do eleitor. O ponto de partida é cada candidato dizendo como ele vê a situação atual do país, do estado ou do município em disputa, e apontando como será no futuro, caso seja eleito.

Quando se altera essa estrutura, não funciona, como ocorreu com o tucano José Serra na eleição presidencial de 2002. Governista, ele rompeu essa lógica e montou um discurso de candidato de oposição. Tornou-se um candidato de continuidade apregoando mudanças. “Serra é a mudança”, diziam as peças de sua campanha na televisão. Acabou dando um nó na cabeça do eleitor e facilitando a eleição do petista Luiz Inácio Lula da Silva.

A disputa pelo governo da Bahia, faltando exatos quatro meses para a eleição, caminha nessa lógica: os governistas dizem que o Estado nunca esteve tão bem como agora, graças aos quase 16 anos de gestão dos petistas Jaques Wagner e Rui Costa, e argumentam que vai ficar ainda melhor se Jerônimo Rodrigues ganhar a eleição; por sua vez, os oposicionistas ACM Neto, do União Brasil, e João Roma, do PL, alegam que a situação da segurança, da educação e da saúde nunca foi tão ruim como agora e só vai melhorar caso um deles seja eleito – sendo que o um, no caso, é o próprio, evidentemente.

Sabatinado na semana passada por jornalistas do portal UOL e da Folha de S. Paulo, o candidato da base governista inverteu essa lógica e admitiu que o copo está quase vazio, ao reconhecer que, de fato, a situação nessas três áreas não é boa. E cravou, para espanto dos patrocinadores de sua candidatura: não se espere uma solução nem mesmo na gestão dele, caso venha a ser eleito, pois são problemas estruturantes, parte da herança maldita que o PT recebeu há 16 anos, e que não podem ser revertidos em menos de 30 anos – ou seja, daqui a pelo menos 14 anos.

Inábil no jogo eleitoral, pouco afeito à retórica das campanhas, jogou a solução de tão graves problemas para um futuro distante – tudo o que o eleitor, ávido para ver o copo cheio, exigindo respostas imediatas para os graves problemas na segurança, na educação e na saúde, não quer ouvir nesse momento.

Em outras palavras, usando uma expressão corriqueira entre os comentaristas de futebol: atirou contra o próprio patrimônio. Na seara da disputa política eleitoral, o professor ainda tem muito a aprender.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

 

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