O trem da alegria de João Durval e o corre de Rui para dar um cargo vitalício à mulher

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José Carlos Teixeira*

“Ô, Antonico, vou lhe pedir um favor

Que só depende da sua boa vontade

É necessária uma viração pra o Nestor

Que está vivendo em grande dificuldade”

(Antonico, de Ismael Silva)

 

 

Foi em julho de 1985. Às vésperas da data-limite para a contratação de funcionários públicos antes das eleições, marcadas para novembro, o então governador da Bahia, João Durval Carneiro (PDS), colocou em marcha o maior trem da alegria da história baiana. De uma só canetada, foram nomeados mais de 16 mil servidores.

O Diário Oficial com os decretos de nomeação, distribuídos em uma gorda edição de 160 páginas, chegou a ser comercializado no câmbio paralelo por valores até cinco vezes o preço de capa, tamanha a quantidade de gente querendo saber se havia conseguido uma passagem em algum dos superlotados vagões do alegre comboio.

O número de contratados em si, já era escandaloso. Mas o que chamou a atenção da imprensa nacional – os jornais locais praticamente passaram batido – foi a nomeação de uma agente administrativa lotada na Secretaria de Educação. É que no decreto, logo após o nome da nomeada, saiu publicada, entre parênteses, a expressão “prima de Dona Carmem”, a sinalizar o pistolão que garantira à parente uma passagem no trem da alegria.

Dona Carmem, logo se soube, era a mulher do presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Faustino Dias Lima, amigo antigo e bem próximo do governador. Atendendo a um pedido da mulher, Faustino incluiu a prima de Dona Carmem na lista dos seus indicados. Consta que cada deputado estadual do PDS teve direito a indicar 50 pessoas para serem contratadas e os federais e secretários de estado puderam indicar o dobro.

A prima foi desnomeada e, três dias depois nomeada novamente, mas, na verdade, nunca assumiu a função – supostamente porque o marido a proibira de trabalhar. Já Dona Carmem, que nunca se envolvera nas atividades políticas do marido, acabou entrando involuntariamente para o folclore político, com seu nome passando a simbolizar nepotismo e acesso fácil ao serviço público por força do pistolão de parentes influentes.

Como não podia deixar de ser, o caso rendeu anedotas, charges e até mesmo um quadro de Jô Soares no programa Viva o Gordo, da TV Globo. Assegurou também um prêmio nacional de propaganda à agência baiana Engenho Novo, com um anúncio de oportunidade. Valendo-se de uma funcionária homônima da mulher do presidente da Assembleia, o anúncio proclamava: “Engenho Novo, a agência recomendada por Dona Carmem”.

Quando o Diário Oficial publicou a recontratação da prima de Dona Carmem, o deputado Jorge Hage, líder do PMDB na Assembleia Legislativa, disse em discurso que a divulgação do episódio serviu para mostrar à população “a mecânica do poder e como ele funciona num estado feudal, coronelista, curralizado, onde o nepotismo campeia, o mérito não tem vez e não há democracia no acesso ao serviço público”.

O episódio, no entanto, não serviu de exemplo. Poucos meses depois, o próprio marido de Dona Carmem, foi nomeado pelo amigo governador para o cargo vitalício de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Passaram-se quase 40 anos e continua tudo como dantes. Prevalecem o pistolão e o nepotismo. O ex-governador de Alagoas Renan Filho (MDB) e o ex-governador do Piauí, Wellington Dias (PT), por exemplo, conseguiram nomear as respectivas esposas para o cargo vitalício de conselheiras dos tribunais de contas locais.

Abriram, assim, caminho para o ex-governador Rui Costa, que vem pilotando uma manobra para também nomear a mulher, Aline Peixoto, para uma vaga vitalícia de conselheira do Tribunal de Contas dos Municípios, com salário atualizado de R$ 41,8 mil mensais mais outros benefícios.

Os três – Renan, Wellington e Rui – são ministros do novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas isso é apenas um detalhe.

No caso de Dona Carmem, tudo também não passou de um detalhe, uma falha técnica que deixou evidenciado o nepotismo e o uso do velho pistolão. Agora é tudo às claras.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.

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