Receita de marmota para melhorar a nota do Ideb em ano de disputa eleitoral

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“Não venha agora fazer furo em meu futuro

Me trancar num quarto escuro

E fingir que me esqueceu”

(O trono do estudar, de Dani Black)

 

 

Aproximava-se uma campanha eleitoral dura e todos no governo sabiam que a oposição não iria deixar barato. Isso era mais que certo. Assim como 2 e 2 são 5 (ou 3, quem sabe? talvez 4? melhor olhar na tabuada…).

Afinal, a posição da Bahia no ranking do Ideb (o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, que mede a qualidade do ensino no Brasil) referente ao ensino médio, de responsabilidade dos governos estaduais, vinha sendo vexaminosa: sempre nos últimos lugares. Passava ano e entrava ano e continuava assim: na rabeira.

Como se não bastasse o noticiário negativo na imprensa cada vez que novos índices eram divulgados (o Ideb é mensurado nos anos ímpares, desde 2005, com o resultado publicado no ano seguinte), ver tal vexame exposto dia e noite aos eleitores durante o período da propaganda política era um problema grave que poderia ter consequências danosas para o governo na disputa da sucessão estadual.

Era preciso encontrar uma solução. Cancelar ou atrasar a divulgação estava fora de cogitação: a avaliação da qualidade do ensino pelo Ideb e sua divulgação são feitas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), um órgão do governo federal.

A única e óbvia solução era simples: melhorar a qualidade do ensino. Só que há muitos anos o governo vinha tentando isso, infelizmente sem o sucesso desejado. Aliás, até que conseguiu melhorar um pouquinho, alguns décimos, mas como os demais estados também avançaram, a Bahia seguia na rabada.

Foi aí que aconteceu o milagre. Dentro do governo teve gente que chegou a mandar celebrar missas em louvor de São Judas Tadeu, o padroeiro das causas impossíveis. Tudo com o devido cuidado, é claro, para que o santo não ficasse como único responsável pela transformação da água em vinho.

É preciso mostrar ao eleitor o esforço do governo para que o milagre acontecesse, aconselhou o pessoal do marketing, tratando logo de espalhar a boa nova por meio de bem produzidas peças de propaganda veiculadas na capital e no interior.

O fato é que a avaliação do ensino nas escolas de segundo grau da rede estadual da Bahia melhorou algumas posições. A nota do Ideb aumentou 10%, passando de 3,2 em 2019 para 3,5 em 2021. Com isso, a Bahia ficou na quarta pior posição no ranking, à frente de Rio Grande do Norte (2,8), Pará (3,0) e Amapá (3,1) e ao lado de Maranhão e Alagoas.

Como se sabe, a nota do Ideb é obtida multiplicando-se a taxa de aprovação pela média do desempenho escolar aferido nos exames aplicados pelo Inep. Por exemplo: se em uma determinada escola a média obtida pelos alunos nas provas do Inep for 6 e a instituição tiver 85 de alunos aprovados, 4,8 será o seu Ideb (6 x 85% = 4,8).

Mas, como foi o milagre? Simples, em plena pandemia, com alunos e professores enfrentando os problemas decorrentes da maior crise sanitária e de saúde vivida pelo mundo, a taxa de aprovação nas escolas de segundo grau da rede estadual de ensino aumentou 12%, passando de 77,5% em 2019 pra 87,4% em 2021. Um espanto! Só no primeiro ano, a aprovação saltou de 69,5 em 2019 para 89,7 em 2021. Um crescimento de estupendos 29%. Um assombro!

Não é preciso ser um especialista para saber que houve perda de aprendizagem na pandemia. Só um milagre, portanto, explica esse espantoso crescimento na taxa de aprovação registrada nas escolas de segundo grau da rede estadual da Bahia.

Agora, se não houve milagre, se não houve interferência divina, deixaram um problemão para a professora Adélia Pinheiro, anunciada nesta segunda-feira, 19, como secretária de Educação do novo governo. Insistir nessa política de aprovação em massa, apenas para aumentar a nota da Bahia no Ideb é um ato de perversidade com reflexos terríveis no futuro dos jovens estudantes.

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político, mídia, comportamento eleitoral e opinião pública pela Universidade Católica do Salvador.

 

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