Se engane, não: Carnaval indoor é o retrô do apartheid

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A expressão foi cunhada pelo compositor Gerônimo, um dos mais argutos cronistas contemporâneos das coisas e do povo da Cidade da Bahia, autor de “Eu Sou Negão”, um clássico da música carnavalesca baiana, cuja letra relata a disputa por espaço entre os blocos afros e os trios elétricos nas ruas de Salvador durante o Carnaval.

Com a experiência de quem já vivenciou algumas dezenas de carnavais, seja como folião atrás do trio elétrico e no embalo dos afoxés, seja como cantor em cima do caminhão da alegria, Gerônimo bradou:

– Carnaval indoor é o retrô do apartheid!

Referia-se ele à intensa movimentação de empresários de blocos e camarotes para a realização de festas privadas durante os dias de Carnaval, mesmo que a prefeitura da capital decida suspender a realização da maior festa popular da cidade, em face da pandemia de covid-19 que já causou mais de 27 mil mortes no Estado – quase 620 mil no Brasil.

Anuncia-se que já há contratos milionários assinados para a realização de grandes bailes no centro de convenções, na Arena Fonte Nova e em outros espaços fechados – festas indoor, dizem os promotores, submetendo-se ao colonialismo linguístico na boba pretensão de parecerem “chiques”. Todas animadas por alguns dos nomes mais famosos da cena musical carnavalesca baiana.

Tudo no maior respeito, garantem, aos protocolos sanitários estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde: todo mundo vacinado, com máscaras, distanciamento e muito álcool em gel. Ou seja, um Carnaval elevado ao mais alto grau de puritanismo: sem beijar, sem cheirar e sem agarrar.  Ora, me deixe!!!

Mas não, caros leitores e leitoras, não será Carnaval, alegam. Serão eventos. E eventos estão permitidos até o limite de cinco mil pessoas, desde que os tais protocolos sejam seguidos. E, é claro, que sejam pagos os caríssimos ingressos à vista, com desconto, ou em até dez vezes sem juros.

Nesse modelo, estabelece-se o tal do apartheid retrô, a que Gerônimo se referiu, já que os que não podem pagar, e que são a esmagadora maioria da população, serão obrigados a ficar em casa. Com o Carnaval proibido, nas ruas não haverá blocos, afoxés e muito menos os trios elétricos dos foliões pipocas.

É claro que alguns foliões mais afoitos, sobretudo nos bairros periféricos, improvisarão pequenos blocos e sairão por aí, batucando, cantando, dançando, bebendo, beijando, desafiando a proibição, caso ela venha a ocorrer, e até mesmo enfrentando a polícia. Mas, não convém arriscar: alguns policiais andam muito ariscos atualmente.

Proibir ou não o Carnaval é uma decisão política, mesmo que balizada pelas questões de saúde e sanitárias. Cabe ao prefeito de cada cidade decidir o melhor para a população. Mas o governador já avisou: não contem com a polícia para garantir a segurança de suas festas se houver aumento no número de casos da covid-19.

Como vai ser a folia, senhores? Proibição geral, valendo para todo mundo, ou parcial, oficializando o apartheid?

 

*José Carlos Teixeira é jornalista, graduado em comunicação social pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduado em marketing político pela Universidade Católica do Salvador.

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